A ressureição do Ocidente: 350-450

Entre a época de Marco Aurélio e o meado do século IV parece que o centro de gravidade da civilização antiga tem por assento a costa do Mediterrâneo Oriental. As províncias latinas são rara­mente atingidas pelas tempestades religiosas e intelectuais que assolam o mundo oriental. As ideias que descrevemos nos capí­tulos precedentes são todas expressas, originariamente, em grego. Quando o imperador Constâncio II vem de Constantinopla para Roma, em 357, aparece como um conquistador que deseja anexar uma região atrasada. Entra na cidade com a pompa de um roi soleil constantinopolitano e leva, com firmeza, o "simplório" clero do mundo latino a «atualizar-se», impondo-lhe o seu credo sutil. O mundo grego considera-se sempre como dador. Amiano MarcElino, natural de Antioquia, vem para Roma, por alturas de 385, para falar aos Latinos, mal informados acerca de Juliano, o Apóstata, o maior e mais grego dos últimos imperadores. No século IV, parece que a capa de Tácito só pode assentar nos ombros de um grego como Amiano.

Para um viajante do Oriente, pôr o pé na Itália era entrar num outro mundo, um mundo ao mesmo tempo grandioso e raro. "Há em Roma - escreve-se então - um senado de homens ricos ... Todos os senadores têm competência para exercer cargos importantes. Mas preferem não o fazer. Conservam-se livres, preferindo gozar da sua fortuna sossegadamente." Otium (saber desinteressado) e grandes palácios e moradias campestres são as características desta aristocracia senatorial de Roma e das pro­víncias latinas. Na Itália, os grandes proprietários inclinavam-se, havia muito, para uma vida particular, dedicada ostensivamente ao estudo, mas, na realidade, à protecção da localidade de cada um e ao convívio com os respectivos amigos. No século IV, havia, espalhadas pelas suas propriedades da Etrúria e da Sicilia, muitas famílias para as quais a "crisel" do século III pouco significara e nada a conversão de Constantino. A correspondência de um destes senadores, Simaco (c. 330-c. 402), retrata-nos a vida de um aris­tocrata estudioso durante a longa tarde estival da existência romana. Estas cartas descrevem o protocolo das reuniões do Senado, o punctilio das cerimónias públicas pagãs, a pompa solene das viagens através das províncias, a «comezaina» dos jogos do pretor, que assinalaram a estreia do filho de Simaco em Roma. A minoria são cartas de recomendação. Eram levadas à corte por pretendentes a empregos, demandistas, reclamantes, todos os que conheciam as relações tentaculares de um italiano do mundo antigo, como Simaco.

Este estilo de vida é posto em moda pela nobreza da Gália e da Espanha, bem como pelos parvenus das pequenas cidades da África e da Aquitânia. Na sociedade ocidental do fim do século IV, a aristocracia senatorial domina a paisagem como um arranha­-céus erguido no meio de choças.

No mundo latino também a Igreja católica tomara o severo aspecto de uma aristocracia fechada. Durante mais tempo do que no Oriente, os cristãos latinos são uma minoria perseguida. Como muitas minorias, chegam a esta situação procedendo como um escol superior. Nestas condições, a Igreja católica vem a consi­derar-se como um grupo «separado» do mundo. O movimento monástico reforça este sentimento entre os cristãos latinos; e, com a conversão de membros da aristocracia senatorial, a ideia de que formam um agrupamento à parte impõe-se no fim do século IV. As dificuldades da Igreja latina não derivam de pro­blemas metafisicos, como entre os bispos gregos, mas da tendência para a constituição de agrupamentos que quebram a unidade e procedem como conventiculos de eleitos - donatismo, em África, priscilianismo, em Espanha, adeptos de Pelágio, em Roma.

Pertencer a um agrupamento vigorosamente resolvido a man­ter a sua identidade contra o mundo externo é um incentivo criador. A aristocracia senatorial precisava de manter o alto nivel de cultura que supunha diferenciá-la das outras classes. A Igreja católica, em contato com os movimentos vivos do pensamento e do ascetismo gregos, ansiava por conquistá-los, precisando, para isso, de boa literatura. Daqui a terceira e grande época da literatura latina, representada pela última geração do século IV e primeira década do século v. É neste curto período que Ausónio de Bordéus (c. 310-c. 395) compõe os seus poemas, reveladores de um novo sentimento romântico da Natureza, poemas através dos quais passam os vinhedos das margens do Mosela, mirando-se nas águas do rio. Jerónimo (c. 342-419) grava satíricas vinhetas da sociedade romana cristã - retratos das enfeitadas matronas, tão atrozes como as de um Aubrey Beardsley, violentas descrições do clero, escritas num estilo em que os ataques de Isaías se mis­turam com a baixa comédia de Terêncio, numa maneira que agrada, ao mesmo tempo, a pagãos e cristãos. Fixado, posterior­mente, em Belém, inunda o mundo latino com a erudição que conquistara no contato com os Gregos e com o espantoso feito da tradução da Bíblia directamente do hebreu.

Ausónio e Paulino de Nola compõem hinos e inventam um novo estilo poético. Agostinho serve-se do seu idioma latino para transmitir a luz da filosofia grega. Lera Plotino, pela primeira vez, em Milão (385), quando ainda simples leigo em contacto com a vida cosmopolita da corte imperial. Em 397, as suas Confissões, história única do coração, apresentam a língua latina manejada brilhantemente por um homem cuja sensibilidade pode combinar, com igual mestria, Virgílio, Plotino e os rítmicos salmos. Com a estudada desconfiança de todos os senadores, escrevendo ostensivamente apenas para entreter os seus amigos, Sulpício Severo “deixa correr” uma Vida de S. Martinho que se torna o modelo de todas as futuras hagiografias latinas. Quando, poste­riormente, no fim do século IV, Claudiano, grego de Alexandria, vem procurar a fortuna na Itália, encontra, em Roma e Milão, círculos onde pode aprender um latim perfeito e protectores que comunicam ao jovem grego o seu próprio entusiasmo pelo latim e pela cidade de Roma. Ao mesmo tempo, Agostinho escreve um grande livro, Da Trindade, no qual mostra a possibilidade de um latino encontrar originalidade filosófica superior a qualquer contemporâneo grego. O ocidente latino alcançara a sua própria personalidade.

Duas gerações depois o Império do Ocidente desaparece. Os bisnetos dos aristocratas que haviam feito o renascimento do século IV caem sob o domínio dos reis bárbaros. O Ocidente, diz um observador oriental, torna-se um caos. A impossibilidade de os imperadores do Ocidente se defenderem do peso dos ataques bárbaros depois de 400 e, quando atacados, de reconquistarem os territórios perdidos pode atribuir-se fundamentalmente à fraqueza económica e social desta parte do Império. Para os contem­porâneos, a falência dos imperadores do Ocidente, no século v, foi a crise mais imprevista do Estado Romano. Os imperadores não eram historiadores económicos, mas sim soldados. Para eles, era axiomático que as províncias setentrionais do mundo latino, Gália do Norte e Danúbio, eram reservatórios inesgotáveis de poder humano. Os soldados latinos dominam o mundo bárbaro, de Tréveros ao Tomi, durante todo o século IV. Para os soldados de fala latina, entre os quais são recrutados os imperadores, era o Oriente, com as suas vaidosas cidades e os seus camponeses pacíficos, que parecia a parte mais fraca do Império.


As razões do colapso do governo imperial no Ocidente não são simples. Aos motivos de ordem moral acrescem os de ordem económica e social. A ca usa mais importante da decadência do governo imperial, entre 380 e 410, foi talvez o facto de a aristo­cracia senatorial e a Igreja católica - os dois agrupamentos prin­cipais do mundo latino - se haverem alheado da sorte do exército romano, que os defendia. Ambos estes grupos destroem incons­cientemente a força do exército e da administração imperial. Tendo cortado as pernas aos seus protetores, verificam, com surpresa, que nada podem fazer sem eles. É uma herança ines­perada do renascimento que descrevemos. O desaparecimento do Império do Ocidente era, desta maneira, o preço da sobrevivência do Senado e da Igreja católica.

Até 375, o exército romano contata com a vida da corte nas grandes residências militares de Tréveros, Milão e Sírmio, onde a sociedade do Ocidente forma uma tenaz de ferro. Nesta altura era ainda possível a um soldado como Amiano Marcelino trilhar as grandes vias militares que ligavam Tréveros ao Eufrates, falando o fácil latim dos acampamentos; atravessar sem explicações as fron­teiras que a fantasia da população civil do Mediterrâneo alargara desmedidamente; entrar em contacto com oficiais de nascimento romano e germânico, latinos e gregos, pagãos e cristãos. De 364 a 375, um severo panónio, Valentiniano I, governa com firmeza o Ocidente, da sua fronteira setentrional. Os seus administradores profissionais são odiados e temidos pelo Senado e, apesar de cristão, evita, inteligentemente, a intolerância dos bispos católicos. É o último grande imperador do Ocidente. Os acontecimentos que se seguem à sua morte invalidam o esprit de corps profissional da burocracia imperial. A administração cai nas mãos da aristo­cracia senatorial com extraordinária rapidez e tenacidade. O impe­rador Teodósio I (379-395), homem fraco e proprietário como eles, abre a corte aos aristocratas e bispos católicos. No tempo de Honório (395-423) e, depois, de Valentiniano IV (425-455), os cargos mais elevados tornam-se apanágio virtual da nobreza da Gália e da Itália. Os senadores do século v não podem ser acusados de haver deixado de participar na vida política do Império Adaptam a máquina governamental ao seu modo de vida - um modo de vida que vê a política com hesitação estu­dada e a administração como a oportunidade de servir os amigos. O amadorismo, a vitória dos direitos adquiridos, vistas curtas­, eis o que caracteriza o governo aristocrático do Império do Ocidente, no começo do século v.

Mas tratava-se, pelo menos, do seu próprio Império Romano.
Grupo algum de romanos idealizara jamais Roma tão entusiàsti­camente. como os poetas e oradores do fim do século IV e começos do século v. O mito de Roma, que havia de obcecar os homens da Idade Média e do Renascimento - Roma aeterna, Roma concebida como o clímax da civilização, destinado a continuar para sempre -, não foi criado pelos homens do Império Romano clássico; foi um legado directo do forte patriotismo do mundo latino do fim do século IV.

No entanto, na sociedade ocidental, esta onda de patriotismo divide os homens leais, em vez de os unir. Os patriotas mais entusiastas do fim do século IV são teimosamente pagãos. Símaco, por exemplo, ama Roma como uma cidade santa. Daqui os ritos pagãos que acompanham a vida do Império até 382 (quando o imperador Graciano «desliga» as vestais e retira do Senado o altar pagão). Posteriormente, Símaco pede várias vezes aos impe­radores cristãos para continuarem a manter a tácita concordata em virtude da qual Roma se considerava um oásis privilegiado do paganismo - como um Vaticano pagão. Os bispos Católicos combatem fortemente esta pretensão. O «mito de Roma» continua a se discutido nos meios cristãos, desde as cartas de Ambrósio, em resposta ao pedido de Símaco, em 384, à monumental Cidade de Deus, de Agostinho, começada em 413. Neste pleito, a situação de Roma não passa de condicional. A maioria dos leigos cristãos concordam com Símaco. Roma, dizem, era, sem dúvida, uma cidade santa, e o Império Romano gozava de especial protecção divina, mas isto devido ao facto de os corpos dos apóstolos Pedro e Paulo estarem na colina do Vaticano. A ideologia dos papas do fim do século IV e o culto de S. Pedro na Europa Ocidental devem muito à conhecida rivalidade com os pagãos defensores do mito de Roma. Símaco, paradoxalmente, é um inconsciente arquitecto do papado medieval.

Mas mesmo o mais entusiástico patriota cristão tem de admi­tir que o culto de Roma de S. Pedro era, em parte, como que uma tentativa de agarrar um fantasma. Os últimos pagãos de Roma lembravam aos cristãos, no momento extremo, o ímpio passado pagão do Império. Associavam o mito de Roma aeterna a sinistras lembranças. Por toda a Idade Média, à superfície da cidade santa de S. Pedro, espreita sempre, como mancha indelével da imaginação cristã, a ideia de que Roma fora a «cidade do demónio». Em Constantinopla, via-se o Império Romano, sem qualquer dúvida, como um império cristão. Em contraste com isto, o mais que os bispos do Ocidente medieval podiam fazer era evocar a pálida sombra clerical de um «santo» Império Romano.

A sociedade das províncias ocidentais do Império Romano estava fragmentada. No fim do século IV, as fronteiras solidifi­cam-se, e um forte sentimento de identidade leva a uma intole­rância mais dura do exterior. Os senadores, que haviam participado num renas cimento impressionante dos altos modelos da literatura latina, revelam pouca vontade de suportar o «bárbaro». Os bispos, que podiam vangloriar-se de terem por colegas Ambrósio, Jerónimo e Agostinho, mostravam-se pouco inclinados a tolerar os estranhos à Igreja católica. O resultado foi as tribos bárbaras entrarem numa sociedade que não era suficientemente forte para as conservar à margem nem bastante flexível para «manter os seus conquistadores cativos», mediante a sua absorção na vida romana.

Eis o significado das chamadas «invasões bárbaras» do começo do século v. Estas invasões não são movimentos contínuos e destruidores, mas sim campanhas organizadas para a conquista, ou, antes, uma espécie de «corridas ao ouro» de emigrantes dos países subdesenvolvidos do Norte em direcção às terras ricas do Mediterrâneo.

Os bárbaros são vulneráveis. Podem ganhar batalhas, devido ao número e capacidade militar, mas não sabem ganhar a paz. Os Visigodos atravessam a fronteira do Danúbio em 376 e cami­nham sobre a Itália, em 402, comandados por Alarico, seu rei. Os vandalos entram na Gália e na Espanha em 406-409. Os Borguinhões fixam-se no vale do médio Ródano depois de 430. Estes triunfos são impressionantes e totalmente inesperados. As tribos conquistadoras eram inimigas umas das outras e mostra­vam-se divididas. Em cada uma dominava uma aristocracia guer­reira bastante estranha aos gostos e ambições da sua classe e condição. Esta aristocracia mostrava-se disposta a abandonar os seus «subdesenvolvidos» companheiros tribais e a trocá-las pelo prestígio e luxo da sociedade romana. Teodorico, rei dos Ostrogodos (493-526), costumava dizer: «Um godo esperto deseja parecer-se com um romano; só um pobre romano pode desejar parecer-se com um godo.»

Nas regiões dos Balcãs, governadas pela corte de Constantinopla, são sucessivamente aplicadas as lições aprendidas pelos dirigentes militares romanos no século IV. Uma judiciosa combi­nação de forças, adaptabilidade e pesados impostos neutraliza os efeitos da imigração visigótica. A aristocracia guerreira visigoda é “integrada”, mediante a ocupação de postos de comando supe­rior ou o desempenho de tarefas diplomáticas ao serviço do Oriente romano. Quando Alarico é corrido dos Balcãs para Oci­dente, enfrenta uma sociedade sem forças nem habilidade. Os senadores vêem-se obrigados a pagar os impostos ou a fornecer soldados para o exército romano. Quando, em 408, são convidados a pagar uma diplomacia baseada nos subsídios a Alarico, a fim de esconder a sua fraqueza militar, o Senado rejeita a proposta, por lhe parecer que cheira a «apaziguamento» dos desprezados Bárbaros. «Isto é um contrato de escravos, não um subsídio. Nobres palavras; mas, dois anos depois, estes patriotas têm de pagar três vezes mais do que a contribuição que lhes fora pedida, para resgatar a sua cidade do rei dos Visigodos. Um clamoroso excesso de patriotismo e a recusa de negociar com os Bárbaros levam ao saque de Roma por Alarico, em 410. Não é um começo auspicioso das relações romano-bárbaras do século seguinte.

Isto quanto aos senadores romanos. Quanto à Igreja católica, os bispos eram os procuradores das cidades do Mediterrâneo, quando se tratava das suas queixas. As populações urbanas temiam os Bárbaros, mas também não gostavam dos soldados. O seu cristianismo era mais fortemente civil do que pacifista. Sulpício Severo gasta muito espaço para disfarçar o facto de o seu herói, S. Martinho de Tours, ter sido sempre soldado romano; só nas sociedades mais militaristas da Idade Média os artistas se com­prazem em retratá-la como cavaleiro. Não havia lugar para o soldado santo nas comunidades latinas do século IV, e parece que não mostravam grande entusiasmo pelo exército romano.

O bárbaro, considerado sucessor do soldado romano, era estigmatizado como homem de guerra, animado de “ferocidade de alma”, no meio do pacífico «rebanho do Senhor», e também era herético, pois as tribos do Danúbio haviam adoptado o vigoroso arianismo da região.

Os ocupantes bárbaros do Ocidente vêem-se poderosos mas repudiados. Cerca-os uma muralha de pesado ódio. Não podem «destribalizar-se», mesmo querendo, porque, sendo bárbaros e heréticos, são homens marcados. A intolerância que os rodeia leva, desta maneira, directamente à formação dos seus reinos. Não havia melhor estimulo para conservar a identidade de uma classe dirigente do que o seu repúdio por 98 por cento dos que os cercavam. Os Vândalos, na África (428-533), os Ostrogodos, na Itália (496-554), os Visigodos, em Tolosa (desde 418, e, depois na Espanha, até à conversão ao catolicismo, em 589), mantêm-se como reinos heréticos, porque são profundamente odiados. Con­tinuam a ser uma classe guerreira, unida e armada durante muito tempo, devido aos súbditos. Não surpreende, nestas condições, que o único legado direto de dois séculos e meio de domínio visigótico em Espanha seja o termo «carrasco», transmitido à linguagem.

Os Francos eram a excepção que serve para provar a verdade da regra. Haviam sido os últimos a chegar. Os bandos guerreiros deste povo só conquistam a supremacia no fim do século v, muito tempo depois do estabelecimento de outras tribos germânicas. Não vêm como conquistadores; infiltram-se em pequeno número, como mercenários, mas não se misturam com as populações distribuídas à volta do Mediterrâneo. A Gália do Norte é o centro de gravidade do Estado Franco. Os bispos do Sul e os senadores acolhem estes estrangeiros, comparativamente insignificantes. Resultado: os Francos sentem-se livres para se tornarem católicos. Na corte merovingia do século VI, romanos e francos chacinam-se tanto como se unem pelo casamento, sem discriminação; e os bispos galo-romanos, perfeitamente conhecedores da situação dos fortes estados arianos do Sul (os visigodos da Espanha tomam Narbona e os ostrogodos da Itália alastram à Provença), consi­deram o fero chefe de guerra dos Francos, Clóvis (481-511), como um “novo Constantino”. O que o autêntico sucesso dos rudes Francos mostra, na realidade, é a fraca tolerância que a população romana do Mediterrâneo está disposta a estender aos estados bárbaros da vizinhança.

Este estado de coisas é usualmente visto como inevitável pelos historiadores da Europa Ocidental dos séculos v e VI. Não era, porém, a única atitude de um grande império para com os seus bárbaros conquistadores. A China do Norte, por exemplo, foi mais largamente ocupada pelos bárbaros da Mongólia do que as provincias ocidentais do Império Romano pelas tribos germânicas. No entanto, na China, os Bárbaros “tornam-se nativos” dentro de algumas gerações e continuam as tradições imperiais chinesas, sem quebra, de dinastia em dinastia. Os reinados dos Visigodos, dos Ostrogodos e dos Vândalos da Europa Ocidental nunca são absorvidos desta maneira; sobrevivem como corpos estranhos, inseguramente sobrepostos às populações, que os igno­ram, e adoptam, a seu respeito, as mais estranhas maneiras de ver.


BROWN, P. O fim do mundo clássico. Lisboa: Verbo, 1972.


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