Os Reinos Bárbaros

OS VÂNDALOS NA ÁFRICA

Nascido da conquista militar, o reino vândalo constitui-se, na Africa, num Estado guerreiro apoiado sobre um sólido exército, dividido pela região em grupos de mil homens. Este Estado exige também uma severa segregação entre vencedores e aristocratas romanos, que viram suas terras confiscadas; a bem dizer, muitos haviam fugido para a Sicília ou Roma. Sem dúvida, Chr. Courtois, numa tese fundamental para toda a história das migrações germânicas, afirmava que as destruições foram bem mais raras do que se dizia, que a decadência econômica geralmente precedeu a invasão e foi ampliada, mais tarde, após a desintegração do reino vândalo; os contemporâneos, falando dos males da época, não incriminaram muitas vezes os bárbaros. Trabalhos recentes, porém, em particular escavações arqueológicas, mostram as dimensões das destruições em Cartago, apesar de ter sido tomada sem combate, em 439. Por outro lado, os conflitos religiosos (os vândalos eram arianos), as perseguições aos católicos, obrigados por vezes a se refugiarem nas costas da Espanha, agravam ainda mais a hostilidade entre os dois povos.

O rei vândalo Genserico (477) inflige rudes golpes no Mediterrâneo romano, onde destrói as comunicações e ameaça constantemente os comboios de trigo, ainda indispensáveis ao abastecimento da capital; seus piratas atacam todas as costas até a Grécia e chegam mesmo a pilhar Roma, em 455. Toma posse das ilhas do Tirreno, detém uma parte consi­derável da Sicília, e, desse modo, funda um vasto império marítimo servido por uma frota de piratas, que Chr. Courtois designa como um "império do trigo". A conquista vândala priva Roma, portanto, de seus grandes mercados cerealíferos; separa de maneira decisiva a Itália das ilhas da África; favoreceu enfim o isolamento hispânico. Mas, na África mesmo, a dominação desses germanos, destituídos de quadros urbanos, adminis­tradores e notários, permanece precária; resiste mal em 534, aos primeiros ataques dos exércitos bizantinos de Justiniano.


OS OSTROGODOS NA ITÁLIA

A 4 de setembro de 476, o imperador infante Rômulo Augústulo era deposto pelo exército do Itália. Odoacro, chefe de uma pequena tribo de bárbaros - os Érulos ou Skiros - é, pouco depois, reconhecido "patrícia" pelo imperador Zenão de Constantinopla. Toma-se, de fato, o senhor de um exército composto por mercenários de origens muito diversas e de um verdadeiro reino bárbaro limitado à Itália e cujo centro vital situa-se na planície do Norte, entre Ravena, a capital, e Milão.

Em 489, porém, Teodorico, chefe dos ostrogodos, invade a península, comandando um exército também compósito, e inflige a Odoacro uma re­tumbante derrota perto de Verona. Teodorico cerca Odoacro em Ravena, engana-o ao oferecer a partilha do poder e, finalmente, faz com que seja assassinado (março de 493).

O governo de Teodorico inspira-se a seguir na sábia política de Odoa­cro: uma espécie de dualismo que, com muita habilidade, mantém igual­mente tradições imperiais romanas e bárbaras. Generalíssimo romano, "patrícia" e, por outro lado, rei dos germanos, Teodorico formara-se du­rante longas permanências na corte de Constantinopla. Mantém as antigas leis, deixa o nome do imperador nas moedas, conserva os magistrados e empregados nos cargos de outrora; sobretudo, sabe ganhar o apoio da classe senatorial, respeitando-lhe os privilégios, e o do povo de Roma, sempre alimentado e entretido. Restaura as termas, as lojas, os aquedutos e os esgotos da capital.

Suas ambições ultrapassam em muito a Itália e parece ter sonhado com uma espécie de hegemonia dos godos sobre o conjunto do mundo germânico, unificado sob sua autoridade. Conserva estreitos contatos com as tribos estabelecidas na Germânia, onde recruta soldados e envia legados destinados a reforçar a solidariedade dos bárbaros. Esforça-se por estabe1ecér laços familiares com outras casas reinantes; ele mesmo casa-se com uma irmã de Clovis e sua irmã desposa Thrasamundo, rei dos vândalos; casa uma de suas filhas com o visigodo AIarico n e uma outra com o borgúndio Sigismundo.

Após 507 e a vitória de Clóvis sobre os visigodos, salva· a Provença da invasão franca, envia víveres para Arles, retém a Septimânia e, de 511 a 526, impõe um verdadeiro protetorado sobre o reino visigótico da Espanha, governado então por· oficiais de Ravena.

Nos últimos anos de sua vida, entretanto, Teodorico perseguiu os católicos e os membros da aristocracia acusados de constituírem um partido bizantino e imperial. Vítima de uma verdadeira mania de perseguição, o rei vê por toda parte conspirações tramadas contra ele, faz morrer na prisão o papa João II e seu próprio amigo Boécio. Além disso, sua morte, em 526, deixa um problema sucessório difícil, pretexto para a intervenção dos exércitos de Justiniano, em 536.


OS VISIGODOS NA ESPANHA

Os visigodos, mercenários do Império, haviam tomado e pilhado Roma em 410. A seguir estabeleceram-se na Aquitânia segunda pelo toedus de 418. Esse primeiro reino visigótico, o de Toulouse, conhece um período de apogeu sob o reinado de Eurico (66-484), que estende sua autoridade sobre a maior parte da Espanha, ocupa toda a Provença ao sul do rio Durance (Arles e Marselha são tomadas em 480), conquista o Auvergne e expulsa os celtas armóricos de Bourges. Em 507, porém, o rei Alanco II é vencido e morto em Vouillé pelos francos de Clóvis; os godos sobre­viventes atravessam os Pireneus.

O segundo reino visigótico, o da Espanha, primeiramente submisso aos ostrogodos de Ravena, posteriormente independente, é, sem dúvida, o mais poderoso e o mais original de todos os reinos bárbaros do Ocidente, dos séculos V ao VIII. A unidade e a paz interior, porém, permanecem por muito tempo ameaçadas por graves perigos:

- As revoltas dos povos inimigos instalados na própria Espanha. Os reis visigodos são obrigados a lutar sem cessar contra os suevos, povo bárbaro cujas origens e história permanecem muito obscuras, instalado no Oeste (Galiza, Lusitânia, Bélica ocidental). Os visigodos fazem face também aos ataques de insubmissos, bascos principalmente. Tentam frear o avanço dos bizantinos, chamados na península a propósito de uma ques­tão sucessória, em 551; fazia-se necessário, em seguida, reconquistar as províncias ocupadas por esses gregos: Bética com Sevilha e mesmo Córdova, Tarragona até Denia, Algarve. A unificação política desenvolveu-se sa­tisfatoriamente sob o reinado de Leovigildo (568-586), que anexou as províncias dos suevos, submeteu os bandos de camponeses revoltados, cons­truiu face aos bascos a nova fortaleza de Vitória, retomou Córdova e Medina Sidônia e posteriormente Sevilha aos bizantinos. Foi ela, no entanto, gra­vemente comprometida pela revolta do filho mais velho do rei, Hermenegildo, que, convertido ao catolicismo, se apóia nas cidades do Sul e provoca uma verdadeira guerra civil; Leovigildo, porém, compra a neutralidade dos gre­gos, toma Sevilha em 584, prende seu filho e, com certeza, faz com que seja assassinado.

- A oposição religiosa entre os godos arianos e os hispano-romanos católicos. Se parecem raras as perseguições, a diversidade de crenças e de igrejas foi por muito tempo o maior obstáculo à fusão dos dois povos. Esse problema foi resolvido, em 586, pela conversão do rei Recaredo (586­-61), segundo filho de Leovigildo. Convertido ao catolicismo pelo bispo de Sevilha. Leandro. A partir de então, os reis visigodos da Espanha encontram na Igreja um poderoso apoio; os concílios de Toledo, onde se manifestam todos os bispos da Espanha. tornam-se os verdadeiros tribunais do reino.

- A oposição dos chefes da antiga aristocracia. Os duques visigodos manifestam sempre um vivo desejo de independência. Apóiam-se nos fran­cos entre os quais facilmente encontram refúgio. Desde o fim do século VII, em conseqüência de uma questão dinástica dois partidos nobres hostis, digladiam-se, defendendo cada qual uma família rival; em 710, por ocasião da morte do rei Vitiza, um dos pretendentes chama em seu auxílio os exércitos muçulmanos de Tarik reunidos em Tânger. O outro rei visi­godo, Rodrigo, ocupado em reprimir uma revolta dos bascos, desloca-se precipitadamente, mas suas tropas são totalmente derrotadas na dura bata­lha de Janda (de 19 a 26 de julho de 711).

Terminou assim o reino visigótico da Espanha. Sem renegar as tradições, o direito, a língua de Roma, ele conseguiu afirmar uma originalidade nacional bem viva. Desse nacionalismo espanhol, Isidoro de Sevilha, conse­lheiro político do rei, dá vibrantes testemunhos na medida em que exalta o passado dos godos e a grandeza da Espanha ("mãe sempre feliz de príncipes e povos, rainha de todas as províncias"). Isidoro de Sevilha luta contra a influência intelectual dos gregos e guarda diante de Roma a autonomia e os particularismos da Igreja da Espanha. Nesse clérigo mesmo, a idéia de império universal apaga-se diante da de uma nação, de uma pátria e de um povo: "Gothorum gens ac patria".


OS REINOS GERMÂNICOS DO NORTE

Os reinos do Norte, fundados mais tarde, assinalam um abandono ainda mais pronunciado das tradições políticas de Roma, cuja língua e o direito desaparecem em províncias inteiras. São acentuadamente reinos bárbaros.

OS FRANCOS NA GÁLIA E NA GERMÂNIA

Anteriormente a Clóvis, os francos, provenientes das margens inferiores do Reno, haviam conquistado todo o norte da Gália até o rio Somme. Em outra direção, suas tribos avança­ram até Treves e alcançaram o Mosela. A história das conquistas de Clóvis parece a princípio muito obscura, excetuando-se sua vitória contra Siagrius, chefe do exército romano de Soissons. Em 15 ou 18 anos, apodera-se ele de todas as regiões do norte do Loire; nada indica, porém, grandes feitos de armas, ataques armados ou mesmo de simples conquista e ocupação militar. Ao que parece, o rei reuniu sob sua autoridade numerosas colônias francas, já há muito estabelecidas nessas regiões. Posteriormente, ao contrário, lança temíveis expedições guerreiras contra os povos vizinhos, arrebanha-lhes províncias inteiras ou então os submete a uma espécie de protetorado. Assim contra os turingios, contra os borgúndios, contra os alamanos (495 ou 505?). Auxiliado pela Igreja, após sua conversão ao cristianismo e seu batismo (em 496, 498, 499 ou 506?), destruiu completamente a potência visigótica (em 507 em Vouillé), tomando todo o seu reino até os Pireneus. Pouco depois, conquistou todas as terras das tribos francas do Reno.

Sem contar os estreitos laços que o unem aos bispos, Clóvis não aban­dona toda a herança política de Roma. Em seguida a Vouillé, em Tours, recebe as tábuas consulares enviadas pelo imperador de Constantinopla, Anastásio, e, de livre iniciativa, ao que parece, usa o diadema e a túnica púrpura dos imperadores. Instala sua capital em Paris, cidade onde per­maneciam numerosos e influentes os quadros galo-romanos.

Seu reino, entretanto, é essencialmente bárbaro e germânico. Toda a vida política repousa no poder absoluto do rei conquistador. O serviço do príncipe estabelece, entre os homens livres uma hierarquia precisa em favor de uma nobreza de corte formada por companheiros, fiéis ou leudes da estima do soberano. Os outros homens livres galo-romanos ou guerreiros francos perdem, pouco a pouco, seus direitos políticos e militares. Os fran­cos continuam a ser temíveis guerreiros e obtêm por muito tempo êxitos decisivos sobre seus vizinhos. Após sua morte, em 511, os sucessores de Clóvis, que invocavam um ancestral legendário, Meroveu, e que os historia­dores chamam de merovíngios, intervêm diversas vezes em direção leste. Assassinam Segismundo, rei dos borgúndios e, à custa de duras campa­nhas. anexam toda a região (534). Os francos lançam no momento da reconquista bizantina. expedições longínquas na Itália, massacram gre­gos, romanos e godos, retomando com um butim considerável. Em 553 seus bandos aliados aos dos alamanos, alcançam a Venécia, posterior­mente a Apúlia e a Calábria a Campânia. Suas campanhas na Turíngia, no Saxe e a seguir contra os alamanos e os bávaros propiciam-lhes Um vasto império, muitas vezes sob a forma de um protetorado sancionado por tributos, que se estende até as regiões do médio Danúbio. Sua hege­monia, por volta de meados do século VI, se faz pesar sobre todo o mundo bárbaro do Ocidente.

Mas Clóvis, que considerava o poder real como uma espécie de propriedade pessoal havia dividido seu reino entre seus quatro filhos sem levar em conta, ao que parece, os particularismos étnicos ou lin­güísticos, desejando somente estabelecer partes de igual valor.

A Aquitânia, tão particular, e tão freqüentemente hostil, foi dividida entre os quatro filhos.

A história dos filhos e dos netos de Clóvis, a partir de então, foi apenas a de uma seqüência inextricável de conflitos familiares, intrigas. assassina­tos e guerras civis. Ensangüentaram e enfraqueceram todas as regiões francas, opondo cada vez mais a Nêustria (a oeste da Gália) e a Austrásia (a leste). O poder real dissolve-se na medida em que se afirma o poder dos duques, comandantes dos exércitos, e sobretudo o dos membros do palácio, que formam uma verdadeira casta, estreita, solidária, enriquecida com a posse de grandes domínios de terras e capaz de arran­car importantes concessões aos soberanos.

Desse período confuso, muitas vezes sombrio, emergem dois persona­gens ávidos por preservar a autoridade real. Brunhilda, durante cin­qüenta anos conselheira ou regente de quatro gerações de reis (seu marido Sigeberto e depois seus filhos, netas e bisnetos), adversária declarada da aristocracia, foi porém vencida e supliciada em 613. Dago­berto, rei de 629 a 639, apoiado por seus bispos conselheiros, reduziu os grandes à obediência em virtude de inspeções longínquas na Borgonha e na Austrásia.

Após essa última tentativa de restauração da autoridade real somente os "prefeitos" (chefes) do palácio podem ainda se opor às pretensões dos grandes. Eles se afirmam desde meados do século VII. Pepino de Herstal (714), prefeito da Austrásia, vencedor de seus adversários numa série de impiedosas guerras, apresenta-se já como o verdadeiro soberano, funda­dor de uma nova dinastia.


OS LOMBARDOS NA ITÁLIA

A conquista lombarda, contra golpe da invasão dos cavaleiros ávaros nas planícies da Europa central, deixa a Itália arruinada por guerras in­termináveis. Roma mesma foi cercada várias vezes, destruída em grande parte, enfraquecida por terríveis fomes. Toda a região parecia abandonada à anarquia, às desordens de toda espécie. Nos primeiros tempos, as po­pulações fugiam diante desses bandos de novos bárbaros, violentamente hostis, pouco influenciados pela civilização romana do Oriente; ainda pa­gãos ou recentemente convertidos ao arianismo, pareciam então anima­dos por um zelo de neófitos contra os cristãos romanos.

A ocupação lombarda foi regida muito tempo pela lei militar dos conquistadores; as terras foram confiscadas; a aristocracia romana ou goda exterminada. Durante quase dois séculos nenhuma lei garantiu as pessoas ou os bens dos romanos, submetidos a vexames e a dificuldades particulares. Além disso, a invasão destruiu o limes do Friul e as praças fortes da Venécia; deixava assim abertos os passos e as rotas dos Alpes aos ávaros e aos eslavos, que, por várias vezes, lançam seus ataques nas planícies e até sobre as costas do Adriático.

O Estado lombardo reúne tribos de origens étnicas bem diversas; nascido da conquista, foi rapidamente desintegrado por graves crises de sucessão: de 574 a 584 principalmente, após a morte de Alboíno. A única força política era o grande exército bárbaro, de inicio mal fixado, mais ou menos nômade, posteriormente estabelecido em blocos compactos na pla­nície, comandados por um duque, praticamente independente. O rei afirma-se lentamente, no reinado de Liutprando somente (713-744), quando se desintegram as últimas defesas bizantinas do Norte. Pouco a pouco, chefe de guerra, grande justiceiro, cercado em Verona, Milão, sobretudo em Pavia, por oficiais do palácio e depois de juntas administrativas inspiradas na chancelaria romana, impõe sua autoridade às províncias do Norte. Instala oficiais, condes ou gasta/di, agentes do domínio real que usurpam os poderes dos duques, recrutam exércitos, presidem tribunais. Mas, por outro lado, em meados do século VIII, assim que o Estado lombardo se desintegra sob o golpe dos exércitos francos, as terras do centro, sob o domínio dos duques de Espoleto e Benevento, permanecem praticamente autônomas. No Sul, bandos de guerreiros, liderados por chefes insubmissos, detêm os cantões montanheses, vendem seus serviços a Bizâncio, ao papa, ao imperador carolingio, ou lutam contra todos, sempre tendo em vista o butim.


OS REINOS ANGLO-SAXÕES

Na Inglaterra, a ordem política e social resultou também de uma conquista militar, mas esta. bem mais maciça, toma a forma de verdadeiras migrações seguidas de uma colonização muitas vezes intensa do solo por povos, de origens diversas é claro, mas possuidores de um fundo étnico comum. Todos parecem habituados a uma vida coletiva. à manutenção de assembléias de camponeses livres para repartir as tarefas. Essas assembléias formam talvez a base da hundred, instituição fundamental dos primeiros tempos anglo-saxônicos na Inglaterra.

Os caracteres regionais parecem estar associados não a distinções étnicas, mas ao acaso da conquista, da implantação de tribos e de seu reagrupamento.

O rei, de início chefe guerreiro de uma só tribo, vive cercado por seus companheiros que formam uma espécie de nobreza militar. No século VII, no reino de Wessex. uma barreira social bem delimitada separa ainda o camponês livre do homem que leva a designação de "companheiro" (do rei) e cujo wergeld (soma em dinheiro destinada ao pagamento de um resgate de sangue) é bem mais elevado: 1 200 shillings em lugar de 200. Esses laços de homem a homem, essas relações pessoais hereditárias da antiga sociedade de guerreiros germânicos. marcaram sensivelmente por muito tempo a vida política inglesa: bispos e abades mesmo cerca­vam-se de uma corte de companheiros armados, que bem se assemelhava a um bando de guerra. A virtude tradicional do chefe é a generosidade a prodigalidade em relação a seus fiéis, recompensados às vezes com terras.

Essas tribos, desde o século VI, reúnem-se em reinos mais poderosos dominados por um chefe superior que se liga a inúmeros pequenos se­nhores. Esses reinos, mais precisamente confederações de tribos, perma­necem por muito tempo incertos, mal fixados; efêmeros e ligados à sorte do rei, geralmente desintegram-se após sua morte. Assinalam, entretanto, um primeiro passo em direção à formação de Estados mais coesos.

Os textos mais antigos, como a História Eclesiástica de Beda (673-735) destacam uma distinção fundamental entre as regiões situadas ao norte das margens do Humber, a Nortúmbricr, onde se opunham constantemente dois reinos (Deira, Bernícia), e os do sul (reinos de lindisfarne, East Anglia, Essex, Mércia, Wessex, Kent). Seus reis, para imporem sua supremacia às regiões vizinhas e tentar unificar a Inglaterra, opõem-se em con­tínuas lutas, em que combatem os bretões. Estes acham-se confinados para o oeste, na região de Domnonée (Devon, Dorset, Comualha), de Gales (construção, no século VIII, de um importante muro de terra, o Ofia's Dyke), ou tinham que se refugiar no leste e no norte em certos cantões das montanhas (Cumberland).

No início do século VII, Edwin, rei de Deira, domina toda a Nortúmbria; casa-se com a filha do rei de Kent, estende sua influência bem ao sul do Humber, ataca as terras bretãs da Cornualha. Em 632, porém, Penda, rei saxão da Mércia, e seu aliado Cadwallon atacam e devastam a Nortúmbria. Uma segunda federação da Nortúmbria, dirigida por Oswald da Bernícia, cai também em 641, sob os ataques de Penda. Posteriormente, numa terceira tentativa, Oswin (Bernícia) derrota-o em 654, mata Penda e seus companheiros, tornando-se senhor de um vasto Estado que reúne todos os povos do Sul, inclusive a Mércia. Desta vez ainda, o êxito é efêmero, pois a Mércia se revolta; foi o derradeiro empreendimento dos reis da Nortúmbria em relação ao Sul. A partir de então, os reis do Norte se ocupam sobretudo nas lutas contra os bretões (redução do reduto de Galloway onde Whitorn torna·se a sede de um bispado inglês) e contra os pictos.

A partir do início do século VIII, entretanto, cada sucessão real dá margem a rebeliões em que d Nortúmbria mergulha na anarquia: os pequenos soberanos reencontram freqüentem ente sua independência. No Sul, ao contrário, prossegue, marcada é certo por vários incidentes, a uni­ficação dos pequenos reinos, de início em proveito da Mércia, depois do Wessex, para lutar contra a ameaça dos escandinavos nas costas do Leste (primeira expedição por volta de 790).


HEERS, J. História Medieval. Lisboa: Difel, 1986.