O Reino Vândalo

Quando Genserico morre, em 477, os Vândalos são senhores do Norte de África. Convém primeiro definir bem que eles só ocupam apenas a parte oriental, a actual Tunísia e o Leste da Argélia; o resto, «a Africa esquecida», como lhe chama C. Courtois, o maciço de Aures, os planaltos do Oeste, a Mauritânia, escapam-lhes como tinham de facto escapado à autoridade de Roma. Eles têm de se defender das pilhagens que os pequenos chefes indígenas organizam e daí advirá uma causa de fraqueza.

A segunda característica da realeza vândala é a coexistência das duas sociedades bárbara e romana. A minoria vândala (80.000) não procurou fundir-se com os Romanos ou Púnicos, sobretudo por razões militares e religiosas. Os reis quiseram preservar o valor guerreiro dos seus homens, e por isso impedi­ram todos os casamentos mistos e toda a conversão ao catolicismo. Além disso, Genserico e Hunerico (477-484) perseguiram cruelmente a Igreja.

Segundo Victor de Vita, historiador das perseguições, perto de 5000 clérigos e leigos foram deportados para o Sul da Tunísia, enquanto os bispos eram exilados para a Córsega e a Sardenha ou obrigados a trabalhar nas minas. Numerosos cató­licos se refugiarão em Espanha, na Gáli.a e em Itália, levando consigo importantes manuscritos, em especial os de Santo Agostinho.

Ao mesmo tempo que conservam a sua religião, os Vândalos conservam as suas leis, os seus costu­mes, e cobram pesados impostos às populações.

No entanto, e é esta uma terceira característica da ocupação, não mudam em nada a organização administrativa da África romana. Estabeleceram grandes domínios (sortes), mas mandam-nos culti­var pelo mesmo pessoal; deixam os romanos au­mentar os impostos e julgar as causas. O rei todo­-poderoso é o único senhor do reino, tendo o testa­mento de Genserico proibido a divisão das terras entre os seus herdeiros. Continua a ser vândalo, mas utiliza na sua corte romanos que redigem as leis em latim e o ajudam na sua administração.

Certos príncipes deixam-se seduzir pela cultura antiga, tal como Thrasamund (496-523), que pretende ser teólogo e com­preender as poesias dos letrados. O bispo de Ruspe, Fulgêncio, que quer convertê-lo, escreve-lhe: «Vós promoveis os estudos entre as nações bárbaras que habitualmente reivindicam a igno­rância como seu apanágio.» Cumprimento interessado, sem dúvi­da, mas que é um reflexo daquilo que se chamou impropria­mente o «renascimento vândalo».

O rei Hilderico, seu sucessor (523-530), protege igualmente os letrados e imita mesmo o imperador bizantino. Além disso, os jogos recomeçam em Car­tago, constroem-se termas e a população pode crer que nada mudou, pelo menos enquanto a paz reli­giosa se mantém.

Preciosos documentos, as 45 tábuas chamadas Albertini, do nome do primeiro historiador que as estudou depois da sua descoberta a sul de Tebessa, mostram que os contratos de venda continuavam a ser feitos de acordo com o direito romano. Sem o nome do rei Gunthamund inscrito em algumas delas, poder­-se-iam ter tratado da época imperial.

Nestas condições, compreende-se o descontenta­mento dos «nacionalistas» vândalos e em 530 o golpe de Estado de Gelimer, primo do rei. Este acto provoca a intervenção de Justiniano, que há muito procurava reconquistar a rica África aos Bárbaros. Pouco numerosos e com falta de treino, o exército vândalo e a sua célebre cavalaria são rapidamente vencidos pelas tropas de Belisário (533). O reino germânico durara menos de um século.

por RICHE, P. As Invasões bárbaras. Lisboa: europa-América, s/d.
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