O Reino Ostrogodo

Teodorico-o-Grande.­
Ainda mais efémero vai ser o domínio gótico em Itália (493-555). Mas toda a primeira parte é ocu­pada pelo reinado de um único príncipe, Teodorico (493-526), um dos maiores dessa época.

Quando o imperador Zenão enviou o chefe ostro­godo para Itália, confiou-lhe uma dura tarefa: a sucessão dos imperadores romanos. Teodorico compreendeu bem essa missão. Quando escreve ao im­perador: «o nosso reino é uma imitação do Vosso», - isso não é uma simples fórmula, mas uma realidade.

Educado em Bizâncio, tinha pela cultura antiga uma grande admiração e, para a manter, conserva a organização administrativa do Império.

A sua corte, onde se encontram os grandes funcionários do passado (prefeito do pretório, condes das regiões sagradas, etc.), é o ponto de encontro dos guerreiros godos romanizados e dos nobres romanos aliados à monarquia. Graças às cartas respei­tantes à administração e reunidas por Cassiodoro em Variae e graças aos papiros de Ravena, podemos traçar um quadro da vida social e da situação económica italiana no início do século VI. Pode-se verificar que os problemas postos no sé­culo IV preocupam ainda o governo (crise frumentária, extensão da grande propriedade, etc.).

Junto do príncipe vivem grandes senadores, o mais célebre dos quais é Cassiodoro, que redige as cartas e os edidos do rei. Ao contrário dos outros bárbaros, Teodorico conserva a preocupação da Res Publica, tanto no domínio político como no religio­so. Sendo ariano, não persegue os católicos, pelo menos no início do reinado, e até intervém para fazer cessar o cisma que perturbava a vida da Igreja de Roma (498).

O Senado, ao qual Odoacro já concedera o direito de cunhar moeda, ganha de novo um certo prestígio e acolhe como um imperador o bárbaro, que em 500 visita a cidade. Para reatar a tradição imperial, Teodorico manda organizar jogos, efectuar grandes trabalhos (secagem dos pântanos de Ravena e dos campos romanos), restaurar os grandes monumentos de Roma e construir em Ravena, Pavia e Verona.

Os vizinhos da Itália têm de contar com este grande príncipe. Os reis bárbaros aceitam as alianças matrimoniais que Teodósio lhes propõe e os Burgúndios, que tinham aproveitado as pertur­bações de 493 para descer à Itália, têm de evacuar a península. Em 508, Teodorico salva a monarquia visigótica de uma derrota total e ocupa a Provença, assegurando assim a essa região a prosperidade, que manterá até ao fim do século VI. Enfim, ele protege a Itália, reconquistando a Dalmácia, a Récia e a Panónia, que a fortaleza de Sírmio defende de novo, e faz todos os esforços para que essa Itália reconsti­tuída fique amigavelmente independente do Impé­rio Bizantino. Se Anastácio (491-518) esperava ter, através de Teodorico, alguma influência no Ociden­te, viu em breve desvanecidas essas esperanças; as relações entre os dois Estados, que se mantiveram correctas durante esse reinado, tornaram-se tensas durante o governo do seu sucessor, Justiniano, por razões mais religiosas que políticas. Teodorico tornou-se «romano», mas continuava a ser ariano, e esta situação contraditória enfraquece a sua posição no final do seu reinado.

Para compreender a crise dos anos 524-526 deve­-se notar que, nesta Itália, que a ocupação bárbara não parece ter transformado, o povo ostrogodo continua de fora e recusa a fusão. Teodorico concentrou os seus guerreiros no Norte da península, construiu igrejas arianas nos bairros das cidades reservadas aos Godos e proibiu aos Romanos o porte de armas. Nas cidades, o conde godo dirige em princípio os assuntos militares, deixando a cargo dos curiales romanos os assuntos civis; de facto, por meio dos seus condes ou de agentes directos, os saiones, o rei podia intervir em todos os domínios, mas, a maior parte das vezes, há a ilusão de uma repartição de tarefas entre os dois elementos da população.

Se numerosos italianos se deixaram levar por esse duplo jogo, certos senadores romanos, por algum tempo aliados ao regime, vieram a reagir contra ele. Assim, o grande filósofo Boécio, mestre do palácio e dos oficios, dá-se bem conta da ambiguidade dessa situação: todos os esforços do rei bárbaro serão impotentes para fazer dele um roma­no, de tal modo é grande ainda a incompreensão e a rapacidade da sociedade gótica que o rodeia. Como Boécio, certos senadores continuam a ver em Bi­zâncio o centro da civilização e mantêm freqüentes relações com os imperadores.

Em 524, a polícia do rei descobre cartas trocadas entre o imperador Justino e o senador Albino. Boécio, que defendera tantos romanos, protege este último: é preso com ele e execu­tado em Pavia, deixando na sua Consolação Filosófica, escrita na prisão, um magnífico testemunho intelectual. No ano seguin­te, o imperador Justino decide perseguir os arianos de Constan­tinopla. Teodorico encarrega o papa João I de pedir a Justino a revogação deste edicto e, perante o fracasso da sua missão, manda-o para a prisão, onde morre.

Estava-se nas vésperas de um conflito entre católicos e arianos, quando Teodorico faleceu subi­tamente em Ravena (Agosto de 526).

Essa crise do fim do seu reinado fora demasiado curta para fazer esquecer a grandeza da obra do príncipe bárbaro, que em breve, sob o nome de Dietrich de Berne (Verona), entraria na lenda germânica. Mas foi o indício da fragilidade da ocupação ostrogoda na Itália: tudo assentava na Personalidade do rei, tudo vai desfazer-se depois dele.


Resistência dos Godos à reconquista ro­mana.
Sobrinho e sucessor do imperador Justino, Justiniano quer, por razões políticas e religiosas, reconquistar o Ocidente: «Temos boas esperanças de que o Senhor nos concederá o resto desse Impé­rio que os Romanos outrora estenderam até aos limites dos dois oceanos e que perderam pela sua indolência.» Livre da ameaça persa pelo tratado de paz «perpétuo» de 532, Justiniano pode empreender uma acção contra os Bárbaros do Oeste, tirando proveito, como sucedeu em Africa, de uma crise interior.

O sucessor de Teodorico era o seu neto Atalarico, uma criança de 10 anos. Sua mãe, Amalaswinthe, assegurou a regên­cia e apoiou-se imediatamente no elenco romano, desfavorável ao povo ostrogodo. Para combater essa influência, os «naciona­listas» godos impuseram à regente o seu primo Theodahad, que em breve faz desaparecer a rainha e toma o poder (535). Boa ocasião de intervir para Justiniano, que manda Belisário apoderar-se da Itália.

Os primeiros sucessos dos Bizantinos (conquista de Nápoles, depois triunfal entrada em Roma) fizeram crer que o exército dos Ostrogodos se renderia tão facilmente como o dos Vândalos. No entan­to, a minoria bárbara estava decidida a defender-se até ao fim e escolheu para chefiar a resistência oficiais de origem modesta que durante vinte anos lutaram energicamente contra os invasores «roma­nos» (535-555).

Fixemos algumas fases dessas guerras góticas de que o historiador grego Procópio nos deixou um precioso testemunho. Belisário, cercado em Roma, consegue resistir durante um ano e persegue Witiges no Norte de Itàlia; fechado em Ravena, o chefe godo é entregue por traição aos Bizantinos (540). Os Germanos submetem-se, mas alguns anos depois escolhem Totila para retomar a luta. Duas brilhantes vitórias permitem a esse grande guerreiro reconquistar a Itália continental, depois descer pata o sul, conseguir abrir as portas de Roma (546) e recuperar toda a península e até as ilhas. A sua frota ataca as costas da Dalmácia e do Epiro e os seus exércitos expulsam os últimos «romanos». Justiniano, no entanto, não se dá por vencido: em 551 manda o velho Narses, o seu camareiro-mor, atacar os Ostrogodos de flanco. Partindo da Dalmácia, Narses avança para a planície do Pó, toma Ravena e desce ao encontro de Totila. O seu exército de 20000 homens, composto de mercenários lombardos, érulos e sobretudo hunos, destrói o exército gótico em Tadinae, no Apenino Umbrio: Totila é morto e toda a defesa desorganizada (552). Os Godos e o seu novo chefe, Teias, lançam um apelo aos guerreiros francos e alamanos, que se deixam vencer perto de Cápua (554). Algumas fortalezas resistem ainda no Centro e no Norte da Itália, mas em vão: a partir de 555, os Bizantinos são de novo os senhores da Itália.

Os últimos Godos fundem-se com os Romanos e poucos vestígios, a não ser alguns vocábulos, recor­dam uma ocupação de sessenta anos. A Itália e Roma fazem de novo parte do Império Romano, mas este privilégio custou-lhes caro. Todo o país foi posto a ferro e fogo, a cidade foi três vezes cercada, conquistada e reconquistada. Justiniano reorganiza a sua conquista pela pragmática sanção de 554, mas não pode dar-lhe nem a riqueza nem a cultura que o bárbaro Teodorico tão notavelmente preservara.

por RICHE, P. As Invasões bárbaras. Lisboa: europa-América, s/d.veja também Mapas e Cronologias


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