Por volta de 320 a.C., Píteas de Marselha empreendeu um périplo de exploração comercial em busca de âmbar e de estanho. Traçou sua rota até o mar Báltico e a embocadura de Ems, entrando, pela primeira vez, em contato com o mundo germânico. Logo estabeleceram-se outros contatos com as vanguardas das primeiras migrações no mar Negro (fins do século lII a.C.) e na Gália, Nórica, Espanha e Itália (113 a 101 a.C.).
Os romanos até então desconheciam que, na retaguarda de seus inimigos celtas, encontravam-se os povos germânicos. Celta e galo eram termos utilizados indistintamente para nomear os habitantes do norte e centro da Europa. O mundo celta, efêmero senhor desta região, apenas provisoriamente, impedia a expansão germânica. Os galos gozaram de um tal prestígio que suas instituições foram imitadas pelos germanos até na Escandinávia.
O historiador grego Posidônio publicou, nas vésperas da conquista romana da Gália (século I a.C.), o relato de suas viagens através do Ocidente: dele se originou a teoria segundo a qual a palavra germano designava o conjunto de povos instalados entre os rios Reno e Vístula. Estrabão, geógrafo de origem grega (século 1), julgou que o termo era um vocábulo latino advindo de germen. Germani indicaria aqueles que estavam unidos pelo sangue.
Modernamente, Lot considerou germano como um termo céltico empregado pelos remenses em relação a seus vizinhos do leste. Para Mitre, parece que a palavra era estranha à própria língua germânica, sendo aplicada, em princípio, pelos romanos aos galos. Musset também concorda com essa opinião ao assegurar que o termo não era de origem germânica e se referia às tribos semi-celtas da margem esquerda do Reno, os germani cisrhenani, aumentando assim a possibilidade do vocábulo ser céItico. A distinção entre os povos galo e germânico apresentou-se entre os romanos nas obras de César, Estrabão, Plínio, O Velho, Tácito e Ptolomeu. Os quatro últimos autores tentaram elaborar algumas sínteses, favorecidos após um século de guerras e contatos comerciais.
A origem dos germanos é incerta. Basicamente existem três hipóteses. Alguns estudiosos alemães acreditam que os germanos sejam indo-europeus vindos da Rússia oriental. Outros consideram-nos como nórdicos que ocupavam as regiões escandinavas e bálticas e estavam isolados pela floresta germânica. Na Idade do Bronze, estes povos receberam o aporte de outros povos, dos quais adotaram a língua indo-européia. A civilização germânica estaria influenciada pelos celtas e ilírios, e até pelos povos mediterrâneos. Esta hipótese é a mais aceitável pela historiografia. A última foi formulada por Tácito, que os vê como autóctones.
Os autores latinos elaboraram diversas classificações dos germanos: Plínio adotou o critério topográfico - vandili (compreende os burgundiones, os varini, os charini e os gu- tones), istaeones (povo único de nome modificado, os sicambrios), ingaevones (compreende os cimbri, os teutones e os chauci), hermiones (compreende os suebi, os hermunduri, os chetti e os cherusci) e peucini ou basternae. Por sua vez, Tácito seguiu a genealogia mítica: o progenitor comum, manuus (homem), e seus três filhos, antepassados dos ingaevones, hermiones e istaevones.
A maioria das tentativas de classificação das tribos baseou-se na origem genealógica, efetuadas por historiadores interessados, principalmente, no aspecto etnológico, desde Estrabão até Tácito. Porém, diferem entre si na denominação das tribos e nem coincidem nos grandes grupos. Estas divergências expressam talvez as sucessivas fases do desenvolvimento histórico.
A historiografia moderna utiliza-se de duas categorias: geográfica e lingüística. Riché e Lot, apesar de adotarem a geográfica, diferem nas suas classificações. O primeiro analisa o momento da invasão do século V e divide os povos germânicos em três grupos. No leste, os godos, vindos do Báltico, na Ucrânia, no século lII, repartem-se em visigodos (godos "sábios"), a oeste do Dnieper, e em ostrogodos (godos "brilhantes"), a leste do mesmo rio. Há ainda os gépidos, que descem do Báltico e se instalam sobre a Thiza, não longe dos vândalos hasdings. Os vândalos silings, por sua vez, ocupam a Silésia e comprimem os marcomanos na Baviera. Os burgundios, originários talvez da ilha báltica de Bornholm (borghundarholm), empurrados pelos gépidos, encaminham-se do Oder em direção ao Reno. No outro grupo, a oeste, estão os alamanos, congregando diversos povos (ali mann), que se estabelecem sobre o Main. Os francos absorvem os sicambrios, chamavos, bructeros, chattos etc. e dividem-se em dois segmentos: ripuários, sobre a margem do Rena, de Bonn a Colônia, e sálios, entre o Reno e o Escalda. O último grupo, localizado ao norte, seria o dos escandinavos, anglos, varnes e jutos. Entre a foz do Elba e do Weser, instalam-se os saxões e frísios, e, mais a leste, entre o Elba e o Oder, os lombardos.
Lot opta por urna bipartição: germanos ocidentais e os setentrionais e orientais. Os primeiros se subdividiriam em ingaevones (cimbrios, teutões, anglos, varnes, saxões e frísios), na península da Jutlândia; istaeones (francos: sicambrios, chamavos, sálios ... ), no sul da Jutlândia e parte das costas do mar do Norte, herrniones (batavos, cheruscos, chattos), ao sul dos istaeones; suevos (marcomanos, quados, turingios e alamanos), no centro da Alemanha e Bohemia. No segundo grupo há lugues, no Báltico (século I), dos quais os vândalos constituem um ramo; borgonheses, na foz do Oder e Vístula; godos e gépidos, no Baixo Vístula, Cárpatos e mar Negro (século lI); rugios, na Pomerânia (século II); lombardos, no Baixo Elba; bastamos e sciras, no Olbia (século II); hérulos, vizinhos dos rugios.
A distinção pela língua desenvolveu-se a partir da gramática comparada, no começo do século XIX. Tradicionalmente, divide-se em três dialetos: nórdico (escandinavo antigo e línguas modernas surgidas a partir dele), ósticos (burgundio, vândalo, rugio, bastamo, todos desaparecidos) e vésticos (francos, alamanos, bávaros, lombardos, anglos, saxões, frísios; alemão, holandês e inglês modernos). Contudo, esta classificação está sofrendo uma revisão, em vista da proximidade relativa do nórdico com o gótico e dialetos afins, originando o seguinte esquema: germânico continental (francos, alamanos, bávaros, lombardos ... ); germânico do mar do Norte (anglo-saxão, frísio) e talvez um germânico do Elba; por fim, godo-escandinavo (dialetos nórdicos e ósticos na classificação tradicional).
Apesar de tudo, continua ainda em questão quais eram os povos que estavam compreendidos nos diversos grupos existentes. Sobre isto é difícil chegar a um acordo nas circunstâncias atuais, pois as grandes divisões, que da literatura antiga surgiram, fundamentaram-se em princípios distintos e compreendiam somente urna parte de toda a Germânia. De fato, existem muitas possibilidades de classificação segundo a importância que se concedeu, e ainda se concede, ao idioma, origem, traàição tribal, determinadas instituições da vida social e do culto, e, sobretudo também, à própria ordenação dos grupos. Somente quando a transmissão de dados da tradição se realizou sob condições muito favoráveis é que foi possível incorporar com exatidão a um mapa moderno o catálogo de povos da Antiguidade e combiná-los com os estudos de classificação arqueológica.
Por SONSOLES GUERRA, M. Os Povos Bárbaros. São Paulo: Ática, 1987.
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