Espanha Visigótica

Instalados nas mesmas condições que os seus «parentes» de Itália, ameaçados pelos mesmos perigos, os Godos de Espanha poderiam ter tido a mesma sorte e desapare­cer rapidamente. No entanto, a fusão das duas sociedades, que se opera em meados do século VI, vai permitir a organização de um Estado que s6 a invasão árabe do século VIII destruirá em parte.

a) Início difícil.
Pouco depois da derrota de Vouillé, que repele os Visigodos para a Espanha, tudo parece anunciar o fim de um Estado que parecia fortemente consolidado. No interior, o filho de Alarico II vê-se ameaçado por uma revolta dos grandes e dos naturais da Tarraconense. A protecção do seu avô Teodorico permite-lhe fazer frente aos revoltosos, mas, morto o rei ostrogodo (526), o seu poder é abalado. No exterior, os Fran­cos procuram tomar a Septimânia e combatem Amalarico perto de Narbona; o rei é assassinado pelos seus soldados (531). Surgem então insurreições no País Basco, revoltas na Andaluzia, de que Justiniano se vai aproveitar para prosseguir a sua reconquista (tomada de Ceuta). A energia do ostrogodo Theudis, antigo governador de Espanha no tempo de Teodorico, permite deter a invasão franca e repelir os Bizantinos para o mar, mas o seu assassinato volta a pôr tudo em causa. A luta entre o ariano Agila (549-554) e Atanalgildo permite aos Bizantinos, instalados nas Baleares, ocupar as costas desde Valença a Málaga e depois conquistar Múrcia e Córdova. Atanalgildo, proclamado rei, procura então desembaraçar-se dos seus aliados da véspera: para melhor resistir, estabelece a capital, que até então fora Barcelona e depois Mérida, na planície de Castela, no sítio fortificado de Toledo. Na corte, o primeiro grande príncipe visigodo tem grande prestígio; a sua reputação é tal que os reis francos Sigeberto e Chilperico lhe pedem as filhas em casamento: uma delas, Brunehaut, parece ter herdado as qualidades políticas do pai.

Com a morte de Atanalgildo, o período crítico passou. Justiniano morreu, e com ele os sonhos de reconquista total da Espanha, e o seu sucessor recebe o reconhecimento teórico do novo rei, Leovi­gildo (567).

b) Unificação política e conversão religiosa.­
Uma das primeiras tarefas do novo rei foi a con­quista do reino dos Suevos, que, desde a partida dos Vândalos para a África, se organizara na região ocidental da Península (ao norte do actual Portugal). Aliados por algum tempo aos Visigodos, eles tinham­-se convertido ao catolicismo, graças ao apostolado de Martinho, bispo de Braga, e assim se tornaram inimi­gos ferrenhos dos Gados. Várias campanhas foram necessárias para destruir o reino suevo, que, em 585, foi anexado à Espanha visigótica. A noroeste, para se defender das revoltas dos Bascos, Leovigildo funda Vitória, enquanto a leste fortifica Narbona e Carcas­sona contra os ataques dos Francos. A sul recon­quista Córdova e Málaga aos Bizantinos, que em breve deverão abandonar definitivamente as costas do Levante espanhol.

Assim, o reinado do «unificador nacional» conclui­-se por um saldo positivo. A corte de Toledo continua a ser famosa pelo seu fausto «à romana», a sua moeda de ouro e mesmo a sua cultura. Mas, se a unidade política é realizada, se a fusão social começa a fazer da Espanha uma grande nação, o arianismo do rei continua a ser um obstáculo à unidade moral. As lutas com o seu filho Hermenegildo, que os bispos católicos e as cidades de sul apóiam, parecem reforçá­-lo na sua posição. O seu sucessor Recaredo, rei em 5867 não vai adoptar essa política religiosa.

Sob a influência de Leandro, metropolita de Sevilha, dez meses depois da sua subida ao poder, Reca­redo fez, juntamente com a sua família, uma espetacular abjuração. O terceiro concílio de Toledo (589) registrou essa conversão e organizou a luta contra o arianismo. Enquanto na Gália a conversão de Clóvis provocou a do seu povo, parece que em Espanha a aristocracia gótica abandonou mais lentamente as suas práticas religiosas. Daí nascerão numerosos conflitos que enfraquecerão a monarquia visigótica.

c) Características da monarquia visigótica.
A corte do rei, aula regia, lembra muito a corte de Ravena: o príncipe, que abandonou o vestuário bárbaro, está rodeado pelos seus seniores e é aju­dado na sua administração pelo conde da câmara real, pelo conde do tesouro público, pelo conde do património, etc. Os actos da sua chancelaria, for­malmente semelhantes aos de Bizâncio, são enviados aos rectores das províncias e aos curiales das cidades. Nesta corte, Romanos e Gados encontram­-se e os príncipes gabam-se de serem letrados: Reca­redo e os seus sucessores Sisebut e Recesvindo deixaram-nos nas suas poesias ou nas obras hagio­gráficas as marcas do seu talento literário. Os nobres não podiam deixar de seguir este exemplo.

Quando não residem em Toledo, os nobres culti­vam, directamente ou por meio dos colonos his­pano-romanos, as terras que a partilha lhes conce­deu e que estão situadas sobretudo no Norte da Meseta (campos góticos). Conservam eles a sua própria legislação? Até meados do século VII, Hispano­-Romanos e Visigodos têm uma dupla legislação, o Breviário, condensado da lei romana dada por Ala­rico II, e os códigos visigóticos e suevos. Em 654, para completar a fusão, o rei Recesvindo suprime esta personalidade das leis e promulga um código uno, o Liber Judiciorum, em doze livros, todos ins­pirados no direito romano. Só a Septimânia conserva a dualidade jurídica. Os outros factores de aproxi­mação foram os casamentos mistos, autorizados desde o fim do século VI, e a entrada dos indígenas no exército. Sem dúvida, a cavalaria continua a ser exclusivamente gótica, mas as lutas comuns contra os Suevos e sobretudo contra os «Romanos» permi­tiram o despontar de um sentimento nacional que a conversão dos Godos ao catolicismo veio reforçar ainda mais.

A partir de 589, a Igreja desempenha um grande papel na monarquia. Não somente é nela que nasce, à volta de Isidoro de Sevilha, o «renascimento» das letras, mas sobretudo é ela que, com efeito, dirige a política dos reis.

O metropolita de Toledo é quem sagra os reis, pelo menos a partir de 672, e preside com eles aos numerosos concílios de Toledo, que podem ser considerados como as cortes da monar­quia visigótica. E aí que são julgados os, grandes processos e que são aprovadas as decisões legislativas. E aí que são elaborados os decretos contra os Judeus, únicos elementos inassimiláveis da população espanhola, ou contra aqueles que recusam o jura­mento de fidelidade ao rei. Em 633, um concílio reconhece o princípio da eleição dos soberanos, mas não sabemos em que medida essa decisão foi seguida. O que podemos dizer é que o deus católico apóia constantemente os príncipes nas suas lutas contra a aristocracia.

E estas lutas foram numerosas no século VII. Quererão os nobres, sobretudo se alguns se manti­veram arianos, libertar os soberanos das garras do clero ou, mais provavelmente, procurarão tornar-se independentes? Certos historiadores, como Sanchez Albornoz, vêem na anarquia do século VII aparecer já elementos de vassalagem: o rei cerca-se de uma corte de fiéis (os gardingos) que, ligados por jura­mento e dotados de terras, o defenderiam da ambição dos grandes nobres. Um outro ponto dessa história permanece ainda obscuro: o papel desempe­nhado pela nobreza na invasão dos Bárbaros, no início do século VIII. Simbolizado pela traição do enigmático conde Juliano, de que a literatura árabe se apoderou, este papel terá sido o apelo directo ou o abandono? Enfraquecido por estas lutas internas, arruinado economicamente pelas perseguições dos Judeus, o reino visigodo não teve forças para resis­tir aos guerreiros de Tárique. Roderico, o último rei godo, desaparece na batalha de Guadalete (711). Em 722, os Visigodos tentam, refugiando-se nas montanhas das Astúrias, retomar a ofensiva, mas serão necessários sete séculos para que esta «recon­quista» consiga expulsar o Islão da Península Ibé­rica (tomada de Granada, 1492).

Assim, apesar da fusão das populações, a realeza bárbara de Espanha não pôde manter o seu domí­nio. O destino das realezas germânicas estava, aliás, mais perto do berço dos povos bárbaros.

por RICHE, P. As Invasões bárbaras. Lisboa: europa-América, s/d.veja também Mapas e Cronologias


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