Bizâncio e a divisão dos caminhos

A história do mundo mediterrâneo é de unidade e diversidade. Du­rante algum tempo, Roma conseguira unir o mundo mediterrâneo, mas, por volta do século III, a cidade não mais cumpria esse papel. Nos séculos V e VI, Constantinopla tomou seu lugar, embora seu domínio jamais houvesse sido tão assegurado quanto fora o de Roma. A autoridade política do imperador em Constantinopla mal influiu nos reinos bárbaros que surgiram no Ocidente no decorrer do século V. Em termos culturais, o Mediterrâneo iria parecer mais diverso no século VI que na Era dos Antoni­nos, quando Roma se achava no auge do poder. Grande parte disso coube ao cristianismo, que transformou a cultura clássica, dando-lhe nova direção e qualidade. O cristianismo não apenas favoreceu a cultura grega à custa da latina, mas também criou as culturas siríaca e copta, na Síria e no Egito, res­pectivamente. É fácil discernir as fendas, que se alargariam nos séculos VII e VIII, criando as separadas civilizações características do mundo medieval. Nesse processo, Justiniano teve um papel a desempenhar, porque impôs a unidade do Mediterrâneo pela última vez, nesse caso sob a égide do impera­dor de Constantinopla e do cristianismo. Sua obra proporcionou uma uni­dade cultural da qual as diferentes civilizações medievais extraíram grande parte de seu capital cultural. Apesar da relutância, as elites de todas as regiões em volta do Mediterrâneo continuaram vendo Constantinopla como o centro de seu mundo. Embora o domínio cultural de Bizâncio começasse a declinar a partir de fins do século VI, continuou sendo um fator pelo século IX adentro, época em que o Ocidente carolíngio e o califado abássida tenta­ram mais rivalizar com Bizâncio e superá-la do que imitá-la.

O COLAPSO DA VIDA URBANA
Bizâncio conseguiu sobreviver aos reveses que ameaçavam esmagá-la. Foi uma ação de retaguarda que garantiu a continuação do respeito de nações
poderosas circunvizinhas, mas pode-se remontar a origem dos princípios de seu declínio às conseqüências do reinado de Justiniano. A partir daí, com breves exceções, Bizâncio viveu sob pressão. A morte de Justiniano em 565 coincidiu com o surgimento de uma nova força ao longo da fronteira do Danúbio. Veio em forma dos ávaros, outro povo da Ásia central, que conse­guiram encher o vácuo deixado pelo colapso da confederação dos hunos mais de um século antes. Puseram as tribos eslavas locais sob seu controle, ao mesmo tempo que desviavam os lombardos, até então leais aliados de Bizân­cio, para oeste, na direção da Itália. Em 568, os lombardos ocuparam o Vale do PÓ, que passou a ser chamado de Lombardia. Depois avançaram para o sul, limitando a autoridade de Bizâncio às áreas ao redor de Ravena, Roma e Bari. Grande parte do território conquistado com tão grande esforço pelos exércitos foi perdida de um só golpe. Isso não significou que o governo im­perial em Constantinopla tendia a abandonar as realizações de Justiniano. Muito pelo contrário: os territórios ocidentais eram organizados por governadores militares chamados exarcas, que exerciam poderes de vice-reis a partir de suas capitais, Ravena e Cartago. Esses exarcados ajudam a explicar por que Bizâncio manteve por tanto tempo uma cabeça-de-ponte no Oci­dente.

Ao mesmo tempo, eclodiu a guerra contra os sassânidas no Oriente. O con­flito entre Constantinopla e Ctesifonte era inevitável, em vista das dificul­dades para dividir o Crescente Fértil entre as duas potências. Tratava-se de uma luta que vinha ocorrendo desde pelo menos o século V a.C. Em muitos aspectos, a luta entre os sassânidas e Bizâncio foi um ensaio geral para as guerras entre o Islã e Bizâncio.

Os sucessores de Justiniano tiveram de reagir não apenas às pressões externas, mas também a profundas divisões internas, que se revelaram de forma mais óbvia em forma de disputas religiosas. A paz que Justiniano impôs à Igreja foi ilusória. Os monofisistas da Síria e do Egito exploraram-na para criar sua própria organização eclesiástica. A reativação da guerra com os sassânidas lança dúvida - de modo bastante desnecessário - sobre suas lealdades. As autoridades em Constantinopla ficaram transtornadas com o caminho que a Igreja Monofisista tomava sob o patrocínio dos gassânidas, uma tribo árabe do Iêmen que se estabeleceu ao longo da fronteira do deserto da Síria no início do século VI. Os gassânidas haviam sido escolhidos por Justiniano graças a uma concessão especial, e o chefe tribal deles rece­beu o título de filarca. Eram responsáveis pela defesa da fronteira do deserto, mas suas simpatias monofisistas passaram a torná-los cada vez mais suspeitos. Por fim, em 548, o Imperador Maurício entrou em ação contra eles e dissolveu a filarquia gassânida. Isso não apenas alienou a Igreja Monofisista, mas também ameaçou a estabilidade da fronteira oriental, com, como veremos, desastrosas conseqüências.

Viam-se outros sinais de descontentamento. Houve uma série de mo­tins do exército e crescente agitação urbana, que adotaram a forma de rivali­dades entre as facções e não se limitaram à capital, espalhando-se por todo o império. As facções do circo começaram a aparecer em toda cidade de bom tamanho. Não pareciam ter quaisquer afiliações sociais ou religiosas claras, mas proporcionavam um escape para a violência juvenil, que podia ao mesmo tempo ser usada pelos líderes locais. Em Constantinopla, e talvez em outras partes, passaram a constituir uma milícia, o que lhes dava maior poder.

A volátil mistura pegou fogo no início do século VII. O Imperador Mau­rício deu ordens para que seu exército passasse o inverno além do Danúbio. A intenção era dominar as tribos eslavas da área. Os exércitos amotinaram-se e puseram-se em marcha para Constantinopla, sob a liderança de um centu­rião chamado Focas. Na cidade, Maurício enfrentou uma sublevação das fac­ções do circo, que levaram Focas ao poder. Maurício e membros de sua famí­lia foram executados. Foi o sinal para a rivalidade entre as facções eclodir em guerras de bandos. As facções entalharam seus lemas nas paredes de prédios públicos, igrejas e teatros; exemplos dessa pichação sobrevivem em cidades ao longo da costa litorânea ocidental da Ásia Menor, e de Creta, da Síria, da Palestina e do Egito. Usaram-se várias fórmulas; "Vitória para Felicidade dos Verdes" e "Que o Senhor ajude Focas, nosso imperador coroado por Deus, e os Azuis" são típicas. Num dos casos, a palavra 'azuis" foi raspada e substi­tuída por "Verdes".

Essa explosão de violência em âmbito imperial nos põe diante dos ester­tores da morte da polis, que permanecera no centro da vida e da administra­ção provincianas até fins do século VI. Sua extinção foi o outro lado da trans­formação do mundo mediterrâneo, claramente assinalada no caso de Bizân­cio. Pode-se encarar o Império do Oriente como uma rede de cidades em torno de seu centro, Constantinopla. As cidades haviam mudado, no sentido de que também houvera certo grau de racionalização. As cidades que não tinham nenhum papel a desempenhar na administração sofreram, pois seu funcionamento dependia em grande parte da generosidade imperial. A orga­nização da cidade passou a depender cada vez mais do trabalho conjunto do bispo com um governador imperial e alguns notáveis locais. Na maioria dos casos, o tecido urbano das grandes cidades da Antigüidade foi mantido até o fim do século VI. A arqueologia oferece provas de moradias comuns sendo restauradas nesse exato momento em Corinto e Éfeso.

Isso foi uma fachada, como se tornou claro com o rápido colapso da vida urbana na primeira metade do século VII. A causa aparente foi muitas vezes a invasão estrangeira. No Peloponeso, diante dos ataques dos ávaros e dos eslavos, os habitantes de Espana, sob o comando de seu bispo, retiraram-se em fins do século VI para a segurança de Monemvasia, um rochedo quase inexpugnável com comunicações com a capital pelo mar. Na Ásia Menor, as invasões persas resultaram na retirada para uma acrópole defensável. As cidades transformaram-se em kastras, ou fortalezas, que em geral abrigavam o bispo e sua catedral. Um bom exemplo é a antiga cidade de Dídimo, conhecida pelos bizantinos como Híeron: transformou-se numa igreja forti­ficada, num pequeno castelo e numa aldeola. Isso assinalou uma decisiva mudança no equilíbrio entre a cidade e o campo em favor do último. A kastra foi aos poucos substituindo a polis, cuja fraqueza era exposta pela falta de segurança. Essa transformação foi mais ou menos completada em meados do século VII, quando a vida urbana ou se transferira para o núcleo do império ao redor do Mar de Mármara ou sobrevivera em alguns postos avançados, como Tessalonica, Éfeso e Ravena, mas em escala muito reduzida. Em Éfeso, os novos muros encerravam uma área menor que a metade das dimensões da antiga cidade, e a imensa catedral foi substituída por uma nova igreja com apenas metade de seu tamanho, de acordo com as reduzidas dimensões da cidade. A rede de cidades em volta de Constantinopla foi sim­plificada em termos radicais. A maioria das funções urbanas concentrava-se agora na capital, o que a tornou mais dominante que nunca e assinalou o caráter da cultura e da sociedade bizantinas. A cultura urbana de amplas bases de fins da Antigüidade deu lugar a uma estreita cultura metropolitana. O que representou ao mesmo tempo a força e a fraqueza de Bizâncio. Decisivo para esses acontecimentos foi o reinado do Imperador Heráclio (610-41).

HERÁCLIO E OS SASSÂNIDAS
Heráclio vinha das fronteiras orientais do Império Bizantino, mas seu pai fora nomeado exarca de Cartago. Foi daí que ele partiu para resgatar o império de Focas. Em 610, entrou vitorioso em Constantinopla, graças ao apoio do Pa­triarca Sérgio e da Facção Verde, que rompera com Focas. As dificuldades enfrentadas por Heráclio foram enormes: os ávaros vinham causando violen­tos estragos em todos os Bálcãs e seus tributários eslavos se assentavam em grande quantidade: os sassânidas ocuparam quase toda a Anatólia. O cronista Teófanes diz-nos que Heráclio se viu sem saber o que fazer. O exército fora reduzido a dois destacamentos. Ele não podia rechaçar os sassânidas, que se tornavam cada vez mais fortes. Em 613, Damasco caiu em mãos sassânidas; no ano seguinte, foi a vez de Jerusalém, e, em 619, eles conquistaram o Egito. As províncias orientais capitulavam com preocupante facilidade. Em 618, Herá­clio ameaçou abandonar Constantinopla e voltar para Cartago.

Nessa época, contudo, a guerra contra os sassânidas era tratada como religiosa. A propaganda bizantina dizia que o sassânida Rei dos Reis Cosroés II recusou as propostas de paz de Heráclio com estas desdenhosas palavras:

"Não terei nenhuma misericórdia por vós até renunciardes àquele que foi crucificado e venerardes o sol". O Patriarca Sérgio e o povo da cidade convenceram Heráclio a ficar, numa demonstração da solidariedade do patriarca e do povo, além de um apelo à lealdade comum à Mãe de Deus, padroeira de Constantinopla. Lembraram Heráclio de sua responsabilidade pela promo­ção do culto dela. Suas duas mais preciosas relíquias - o véu e o cinturão­haviam sido trazidas da Terra Santa sob os auspícios imperiais e confiadas à guarda seguradas igrejas de Blaquerne e de Chalkoprateiai, respectiva­mente. Essas igrejas haviam sido restauradas por Justino II, que parece muito ter feito para promover o culto da Mãe de Deus. O Imperador Maurí­cio mais tarde estabeleceu a Festívidade do Dormitio da Virgem como uma das principais celebrações do ano cristão. O esforço conjunto da parte dos imperadores em fins do século VI para promover o culto da Mãe de Deus em Constantinopla reconhecia que o tradicional cerimonial imperial associado ao hipódromo tinha de ser equilibrado com um ritual especificamente cris­tão. A participação imperial nas procissões aos grandes santuários da capital foi o mais claro reconhecimento dessa necessidade. Também ficou óbvio que a capital imperial exigia a mais poderosa intercessora que, por reconhe­cimento comum, era a Mãe de Deus. Quando Constantíncipla foi sitiada pelos ávaros e pelos persas em 626, o povo da cidade voltou-se para a Mãe de Deus em busca de proteção. O Patriarca mandou pintar a imagem dela nos portões da cidade como um ato de desafio. O inimigo foi rechaçado. Os coros entoavam o hino Akathistos em homenagem à Mãe de Deus, com uma nova abertura composta especialmente pelo Patriarca Sérgio, dando-lhe o crédito da vitória, como deixam claro os primeiros versos: "Eu, vossa cidade, atribuo a vós, Mãe de Deus, poderosíssima comandante, o preço da vitória, e dou-vos graças por nossa libertação de uma terrível calamidade".

Heráclio passou a exibir maior confiança. A fim de enfrentar a ameaça sassânida, aventurou-se numa estratégia de alto risco. Deixou Constantino­pla aos cuidados do Patriarca e instalou seu quartel-general em Trebizonda. Estabeleceu alianças com os armênios e os georgianos, e um entendimento com os khazares, a força dominante nas terras da estepe. Com a ajuda deles, conseguiu avançar fundo no Iraque em direção à capital sassânida Ctesifonte. Em 627, conquistou uma grande vitória, que subjugou os sassânidas e os obrigou a suplicar a paz. Heráclio apresentou-a como uma vitória pela cruz sobre os sassânidas adoradores do fogo. Afirmou-se que, quando conquistaram Jerusalém em 614, eles haviam levado a relíquia da verdadeira cruz para Ctesifonte. A relíquia retornara então. Heráclio devolveu-a for­malmente a seu lugar de direito na Igreja do Santo Sepulcro numa grande cerimônia em 631, a culminação de sua vitoriosa marcha através de todas as recém-recuperadas províncias orientais. Ao mesmo tempo, em reconheci­mento de que a origem de sua autoridade era mais cristã que romana, Herá­clio adotou basileus como título oficial.

A pedra angular da restauração de Heráclio após a vitória sobre os sassâ­nidas foi sua política religiosa. A religião sempre foi o meio mais eficaz de ligar as províncias à capital. Contudo, durante os anos da ocupação sassâ­nida, a Igreja Monofisista no Egito e na Síria tornara-se cada vez mais pode­rosa. Era irrealista esperar que aceitassem a ortodoxia calcedônia proce­dente de Constantinopla. Por isso, o Patriarca Sérgio criou uma fórmula con­ciliatória: Cristo poderia ser homem perfeito e Deus perfeito, mas possuía apenas uma energia individual. A princípio, os monofisistas receberam-na com satisfação. Mais surpreendente foi o fato de o papa da época tê-la julgado aceitável. Dos patriarcados, só Jerusalém contestou. A oposição tor­nou-se mais acirrada assim que a fórmula foi incluída num decreto imperial, o Ecthesis (638). Pareceu então que o imperador estava usurpando a função de um Concílio Geral da Igreja, o único que tinha a autoridade para alterar dogmas. Em todo o caso, muita coisa mudara. No começo da primavera de 638, Jerusalém sucumbira a um novo poder, o islamismo. Quando o Patriarca Sofrânio viu o líder muçulmano Omar entrando na cidade, dizem que excla­mou: "Na verdade, esta é a abominação da desolação estabelecida no lugar santo, de que falou o profeta Daniel". Reflete a atordoante reação ao surgi­mento do islamismo. Já em 634, Heráclio abandonara a Síria, desesperado, transferindo a Santa Cruz de Jerusalém para Constantinopla.

O ISLÃ
A ascensão do Islã é o fato mais surpreendente e importante da Idade Média. A princípio, só poderia ser explicado em termos apocalípticos. Sua rapidez e completitude ainda atordoam o poder da crença. Os árabes eram muito conhecidos dos romanos; e suas qualidades marciais, admiradas. Du­rante séculos antes do Islã, vinham se mudando dos desertos do Hejaz para os confins do Crescente Fértil. O padrão normal era o governo em Constantino pia empregar chefes tribais árabes para guardar a fronteira do deserto. Os gassânidas haviam feito isso de modo admirável até o rompimento das relações com a administração imperial, próximo ao fim do século VI. O que deixou as províncias orientais de Bizâncio vulneráveis a ataque, primeiro dos sassânidas, e depois dos exércitos do Islã. Heráclio compreendeu a impor­tância da restauração de suas defesas do deserto, mas o tempo não ficou' do seu lado. Uma nova onda de árabes logo irromperia do deserto, mas dessa vez unidos sob um grito de guerra: "Só existe um Deus, Alá, e Maomé é seu profeta".

A mensagem de Maomé proporcionou aos árabes um grau de unidade que jamais haviam tido antes. Transformou-os no novo "povo eleito", com a missão de derrubar a antiga ordem representada pelos impérios romano e sassânida. Este último viu-se ainda mais vulnerável que o primeiro. Sua capital, Ctesifonte, ficava muito próxima do deserto. Caiu em 637, em seguida à Vitória muçulmana em Kadisiya. Os_sassânidas foram desbaratados. Em 651, os muçulmanos perseguiram e mataram o último rei dos reis sassânida,Yazgird III. Com isso, se concluíra de fato a conquista islâmica do planalto do Irã. Os bizantinos perderam a Síria, a Palestina e o Egito com igual rapidez. Não era muito surpreendente, considerando-se que no início do século a Síria e a Palestina haviam estado em mãos persas durante quase vinte anos, e o Egito, durante quase dez. A restauração da administração bizantina ainda estava apenas num estágio preliminar quando os exércitos do Islã atacaram. A perda dessas províncias é muitas vezes atribuída à des­lealdade das comunidades cristãs, que, segundo consta, viram os árabes como libertadores do jugo bizantino. Isso é bobagem. Essas comunidades simplesmente seguiam o que se tornara prática tradicional nas guerras com os persas: era melhor render-se e esperar o desfecho da guerra. Os bizantinos haviam sempre retomado vitoriosos, mas não dessa vez. Em vez disso, viram-se rechaçados Anatólia adentro pelas forças do Islã. Durante um século, envolveram-se numa luta de vida e morte para manter a Anatólia contra os exércitos muçulmanos. Nesse período, o islamismo conseguiu desenvolver uma esplendorosa civilização, que não apenas tornou uma impossibilidade a recuperação bizantina, mas também deixou Bizâncio muito diminuída em comparação.

Provavelmente quase não fez diferença o fato de que a morte de Herá­clio em 641 tenha sido seguida por uma disputada sucessão em Constanti­nopla. O ímpeto islâmico foi poderoso demais. Após dominar os bastiões do Norte da Síria, seus exércitos avançaram para a Anatólia e a Armênia. Os árabes ganharam o mar com o mesmo ímpeto que os romanos em suas guerras com os cartagineses. Apoderaram-se da ilha de Chipre e em 655 derrotaram a frota bizantina na Batalha dos Mastros, ao largo da costa sul da Anatólia. Era uma vitória que teria aberto o Mediterrâneo oriental ao islamismo, não houvesse sido logo seguida pelo assassinato do califa Uthman.

A decorrente guerra civil deu uma trégua temporária a Bizâncio. O Im­perador Constâncio (641-68) conseguiu refortificar alguns dos pontos estra­tégicos da Anatólia, mas, assim que o islamismo se reuniu sob o califa Mu'awiya (661-80), recomeçaram os ataques muçulmanos. Constâncio desesperou-se e fez o que o avô Heráclio ameaçara fazer: abandonou Constantinopla pelo Ocidente em 662. A explicação na época foi que ele queria transferir sua capital para Roma. Mas, após uma visita de estado ali, estabeleceu na Sicília seu quartel-general. A administração em Constantinopla recusou-se a permitir que os filhos de Constâncio fossem se juntar a ele na Sicília, o que demonstrava a efetiva divisão do Império. Trata-se· de um episódio intrigante, ainda mais importante pela maneira como Constâncio levou consigo o grosso do exército oriental. Não parece haver concluído que Constantino­pla era indefensável, mas sua mudança para o Ocidente lhe rendeu muitos inimigos. Foi assassinado no banho em 668.

Coube a seu filho Constantino IV (668-85), em Constantinopla, enfren­tar um esforço conjunto do califa Mu’awiya para conquistar a cidade. A marinha muçulmana tomou as vias marítimas que ligavam os portos da Síria ao Mar de Mármara, onde em 670 conseguiu estabelecer uma base avançada em Kyzikos. Durante sete anos, Constantinopla ficou sob bloqueio, mas o ataque final em 678 malogrou, graças à eficácia do "líquido" ou "fogo grego", que parece ter sido semelhante ao napalm.. Por muito tempo, os materiais combustíveis feitos de petróleo haviam sido usados no Oriente Próximo. A novidade era o meio de propulsão. Usavam-se agora bombas para lançar por um tubo uma mistura combustível, que se incendiava sob pressão. O me­canismo parece semelhante ao de um sifão de soda e foi invenção de um refugiado da Síria chamado Calínicos. Seus efeitos foram devastadores. Sal­vou Constantinopla e deu a Bizâncio uma decisiva vantagem defensiva. Era um dos segredos de estado do império. Os exércitos muçulmanos acha­vam-se inteiramente destroçados quando se retiraram de Constantinopla para a Anatólia, enquanto sua frota, colhida numa tempestade, foi a pique ao largo das traiçoeiras costas do Sudoeste da Ásia Menor. Foi uma derrota generalizada para o Islã, que restaurou o prestígio bizantino. Os governantes do Ocidente, do Khagan dos ávaros para baixo, mandaram enviados a Constantinopla em busca de paz. Pela primeira vez, a iniciativa passava mais uma vez a Bizâncio. O próprio califa Mu'awiya viu-se às voltas com uma rebelião, que ameaçou sua capital, Damasco. Era obra de um misterioso grupo conhe­cido como mardaítas, que se haviam estabelecido nas montanhas do Líbano.

UMA FRÁGIL PAZ
A vitória de 678 deu a Constantino IV a oportunidade de reorganizar o impé­rio. Mais importante era a necessidade de restaurar a unidade eclesiástica. O afastamento da Igreja no Ocidente de Constantinopla, tanto quanto a de­cisão de Constâncio II de mudar a capital para o Ocidente, enfatizou a frag­mentação do Império diante do avanço muçulmano.

Embora a política religiosa de Heráclio a princípio tivesse o apoio do papado, na época em que seu neto Constâncio II a reviveu em seu decreto conhecido como Typos (648), Roma se havia tornado o principal centro de oposição. O papado agora contestava a fórmula - monotelista, como passou a ser chamada - que admitia Cristo unido por uma única vontade e energia. Roma adotava o manto de Jerusalém, que fora a fonte original de crítica. Isso ocorreu em parte porque, em conseqüência da queda de Jerusalém para os muçulmanos, muitos clérigos palestinos encontraram refúgio na Itália, atraí­dos em certa medida pelo Papa Teodoro I (642-49), que era de origem pales­tina. No centro da oposição estava um monge palestino, Máximo, o Confes­sor, um dos grandes teólogos bizantinos. Nascido em fins do século VI, Máximo iniciou sua formação nos mosteiros da Palestina, mas a certa altura foi para Constantinopla e ingressou no serviço imperial. Não era incomum a inclusão de monges no séquito imperial. Contudo, as atrações da vida monástica revelaram-se fortes demais para Máximo, e em 618 ele se retirou para um mosteiro próximo à capital. Eram os anos das invasões sassânidas. Em 626, Máximo fugiu da Ásia Menor para a segurança do Norte da África. Sua reputação como teólogo cresceu e foi realçada por um debate público ocorrido em 645, em Cartago. Máximo convenceu o exarca, que presidia o evento, que devia se opor à linha monotelista imposta por Constantinopla. Também estava por trás do Concílio de Latrão de 649, convocado pelo Papa Martinho I (649-53), e redigiu as atas desse encontro, que condenou o Typos de Constâncio II.

Constâncio reagiu, ordenando que o exarca de Ravena prendesse Máxi­mo e o Papa Martinho. O exarca se recusou e continuou seu desafio até a morte, em 652. Enviou-se um novo exarca, que de fato cumpriu as ordens imperiais. Martinho foi mandado para Constantinopla, onde o condenaram por traição e o exilaram na Criméia. Máximo, que se recusou com obstinação a reconhecer a autoridade imperial em questões de dogma, foi tratado de modo semelhante. Acabou morrendo em 662 no exílio, em algum lugar remoto do Cáucaso. O implacável tratamento dado a Martinho e à Máximo subjugou Roma, mas gerou um duradouro ressentimento.

Quando Constantino IV convocou um Concílio Geral da Igreja após sua vitória sobre o Islã em 678, visava à reconciliação: reconciliação dentro da Igreja, e com o papado e o patriarca de Jerusalém, que haviam sido os princi­pais centros de oposição à política monotelista. O concílio acabou por reu­nir-se em 680. Condenou-se o monotelismo, de acordo com um tomo lan­çado pelo Papa Agatão. Restaurara-se o ideal da unidade eclesiástica. A fragi­lidade dessa união logo ficou clara, durante o primeiro reinado do filho de Constantino IV, Justiniano II (685-95).

Apesar de todas as conquistas do pai - a vitória sobre as forças do Islã e a paz proporcionada à Igreja -, Justiniano II acha-se inscrito com muito mais expressão no registro histórico, e não apenas por seu característico faro. Ele esperava capitalizar o sucesso do pai para concluir a restauração do Império Bizantino como o principal poder no Oriente Próximo e no Mediter­râneo. O malogro desse grandioso projeto revelou como mudara radical­mente o mapa herdado do mundo antigo. Mostrou que Constantinopla não era mais capaz de desempenhar um papel unificador. O Islã desenvolvia-se numa civilização madura, infinitas vezes mais impressionante que Bizâncio, enquanto o papado conseguia abandonar a tutela de Constantinopla e evoluía como o efetivo centro da cristandade ocidental. Ao mesmo tempo, a obra de Máximo, o Confessor, imprimia na vida religiosa de Bizâncio seus traços dis­tintivos.

Constantino IV legou ao filho uma situação visivelmente favorável. Pouco antes da morte de Constantino, o novo califa, 'Abd al-Malik (685­70S), aceitou pagar o tributo antes acertado por Mu'awiya, que os cronistas de Bizâncio estabelecem na considerável soma de mil nomismata por dia, que corresponderiam a mais de 5 mil libras esterlinas de ouro por ano. Esses terrmos foram depois renegociados com Justiniano lI. O tributo continuou o mesmo, mas o governante bizantino concordou em evacuar os mardaítas da Síria e da Cilícia, onde haviam representado uma enorme ameaça ao cali­fado. Isso fazia parte de uma tentativa de criar uma fronteira claramente definida entre Bizâncio e o Islã, para proteger a Ásia Menor. Criou-se uma zona neutra, que se estendia da ilha de Chipre até a Armênia e a Ibéria. As rendas desses territórios deveriam ser divididas igualmente entre Bizâncio e o califado. Justiniano II foi criticado por sua ação, porque perdeu a iniciativa ao longo da fronteira oriental. Em curto prazo, porém, isso lhe deu isenção para se concentrar nos Bálcãs, onde Tessalonica há muito fora desligada de Constantinopla pelas circunvizinhas tribos eslavas. Em 688, liderou uma punitiva expedição que libertou Tessalonica e a deixou sob controle imperial mais firme. Arrebanhou grandes números de eslavos e os pôs na Anatólia como colonos militares. O sucesso dessa política de transferir populações continua sendo motivo de debate. Alguns eslavos se revoltaram e recorre­ram aos muçulmanos. Em represália, Justiniano massacrou outros, mas a provável conseqüência total talvez tenha sido o fortalecimento da popula­ção do Noroeste da Anatólia, onde ocorreu a maior parte do assentamento.

O CONCÍLIO DE TRULLO
Para comemorar as conquistas dos primeiros anos de seu reinado, Justiniano II convocou um Concílio Geral da Igreja em 691. Chamam-no em geral de Concílio de Trullo, por causa da câmara de audiências no palácio imperial em que foi realizado. Justiniano considerou-o uma continuação do quinto e sexto Concílios Gerais, realizados em Constantinopla respectivamente em 553 e 680-81, daí o nome Quintissexto que às vezes lhe é dado. Desse modo, Justiniano II conseguiu apresentar o concílio não apenas como uma conti­nuação da obra do pai, mas também da de seu ilustre homônimo. O objetivo era fornecer as medidas práticas e legais necessárias para complementar a obra doutrinal do quinto e sexto Concílios Gerais. Como o Concílio de Trullo se encaixa de modo meio canhestro na gestão de Concílios Gerais da Igreja, sua importância foi não apenas muito negligenciada como mal entendida.

Embora apresentados como continuação de uma obra anterior, os decre­tos do Concílio de Trullo representam uma realização de certa originalidade. A liquidação, para todos os efeitos, da controvérsia monotelista em 680-81 acabou com o debate cristológico em que se haviam empenhado os teólogos desde o início do século V. Tornara-se estéril o pensamento religioso pas­sara para um plano diferente. Em conseqüência da elaboração de uma teolo­gia ascética em torno do tema "uma escada para o céu", os monges e os asce­tas há muito se incluíam entre os mais importantes elementos de uma socie­dade cristã, mas pouca tentativa se fez para explicar racionalmente por que devia ser assim. Talvez o texto mais importante fosse um guia para a vida ascética intitulado A Escada Celestial, escrito no início do século VII por S. João Clímaco, um monge do Sinai. Exatamente na mesma época vieram os primeiros esforços para defender o uso de ícones, cuja veneração se tornava essencial para o culto na Igreja bizantina. Em outras palavras, o foco do pensamento bizantino transferia-se do problema da encarnação para o problema do "sagrado", que se associava à questão de intercessão e da interação de humano e divino. Mais que outros, pessoas ou objetos ofereciam um acesso mais imediato ao divino? Esta questão se tornara de interesse mais profundo com o surgimento de uma política cristã, onde os elementos seculares herda­dos do passado romano e helênico haviam ·sido absorvidos e transformados.

Máximo, o Confessor, é muitas vezes lembrado por sua oposição ao monotelismo, mas isso foi apenas parte de sua obra teológica. Sua maior rea­lização foi abordar os novos temas que surgiam. E o fez de um ponto de vista monástico. O princípio fundamental de sua teologia era a "deificação" ou perfectibilidade: isto é, a possibilidade de se tornar igual a Deus que se abria à humanidade pela Encarnação. Era um programa que convinha a monges e ascetas, e transformava a ordem monástica numa elite monástica.

A maior dívida intelectual de Máximo foi com Pseudo-Dionísio, o pen­sador que chegou mais próximo de captar os fundamentos do mundo do pensamento bizantino com sua insistência em hierarquia, harmonia e refle­xão. Essa misteriosa figura, que dizia ser aluno ateniense de S. Paulo, Dioní­sio, o Aeropagita, escreveu na virada do século V, mas foi ignorado ou tratado com desconfiança. Foi obra de Máximo, o Confessor, a introdução do pensa­mento dele no curso dominante da ortodoxia. Pseudo-Dionísio situava a mensagem cristã numa estrutura cósmica. Como a ordem criada por essa mensagem era em certo aspecto um reflexo do divino, foi inestimável a capacidade de Pseudo-Dionísio para explicar a ligação. A explicação dele girava em torno de seu conceito de uma hierarquia cósmica, unindo céu e terra, que, afirmava, "faz de seus membros imagens de Deus em todos os aspectos, para serem espelhos imaculados, refletindo o brilha da luz primor­dial e na verdade do próprio Deus". Nesse mundo, o foco do sistema hierár­quico era a liturgia, cuja importância cósmica Pseudo-Dionísio explicou em seu Da hierarquia eclesiástica, ênfase adotada por Máximo, o Confessor. Sua Mistagogia foi um consciente desmembramento da obra de Pseudo-Dionísio sobre a liturgia. Num determinado nível, Máximo ficou muito feliz em apre­sentar a liturgia como uma reencenação da vida e do sacrifício de Cristo; uma interpretação que os crentes comuns compreenderiam. Mas, em outro nível, a liturgia era a chave para a aproximação de Deus. Permitia que os par­ticipantes se esvaziassem de paixões terrenas e se entregassem à "abençoa­da paixão do Amor Sagrado", que lhes iluminaria a alma em sua busca por Deus. A compreensão mística da Eucaristia era uma guia para uma elite espiritual, em grande parte, talvez exclusivamente, vinda da ordem monás­tica.

A teologia de Máximo teve profundas implicações para a ordenação social. Sua ênfase numa elite monástica contestava o papel do imperador como árbitro da sociedade. Máximo recusou-se a aceitar que o imperador ti­vesse qualquer papel na fixação de dogma. Esse foi um dos motivos para se opor à fórmula monotelista publicada nos editos imperiais. A negação de Máximo de qualquer papel ao imperador nas questões de fé talvez explique o estranho fato de que o Concílio de 680-81 jamais o houvesse mencionado sequer uma vez, apesar da oposição dele ao monotelismo. Citar a obra de Máximo teria diminuído o papel do imperador como defensor da ortodoxia.

O Concílio de Trullo insistiu no papel central do imperador. Justiniano II usou-o a fim de legislar para uma sociedade cristã. Áreas da vida - magia, prostituição, casamento, formas de devoção, o status e o comportamento do clero - que Justiniano I regulamentara pela legislação imperial deveriam agora ser função de um Concílio Geral da Igreja. Supor, como muitos o fize­ram, que isso é a prova da forma como Justiniano II subordinou de bom grado o poder à autoridade eclesiástica é um despropósito. Está em desa­cordo com o caráter autocrático do homem. Usar um Concílio Geral da Igreja para legislar os interesses cotidianos de uma sociedade cristã era um desvio radical. Parece seguro aceitar que a iniciativa veio de Justiniano II. A Igreja bizantina achava-se na época singularmente esvaziada de grandes personali­dades. Tudo aponta para a compreensão de Justiniano II de que um basileus -rei cristão - devia governar por intermédio da Igreja, e não por sua pró­pria conta. Era um programa cesaropapista; concebia um novo Israel, gover­nado por um novo Davi.

Em consonância com a nova ordem, o novo Israel tinha de ser expurgado dos costumes judeus e pagãos que persistiam. Não se deviam rebaixar os símbolos do cristianismo. Nem a cruz ser colocada em soleiras, onde pu­desse ser pisada, mas ficar ao nível do olhar, para ser devidamente venerada. Ainda mais interessante, Cristo seria representado em forma humana. Mos­trá-lo em forma simbólica era rebaixar sua humanidade e o mistério da Encarnação. Essa medida era dirigida contra o cristianismo latino, em que era normal mostrar Cristo como o cordeiro pascal. O preconceito antilatino do concílio era um resultado direto do desejo de impor como normativa a prática da Igreja de Constantinopla. O concílio aprovou os privilégios da última e insistiu em sua igualdade legal com a Igreja de Roma. Condena­ram-se vários costumes latinos, como o celibato clerical e o jejum aos sába­dos na Quaresma. À guisa de protesto, o Papa Sérgio I (687-701) recusou-se a assinar as atas do Concílio de Trullo. Justiniano II ordenou sua prisão, mas, diante do apoio geral ao Papa, o exarca bizantino voltou atrás. Em todo o caso, o próprio Justiniano 11 foi deposto em 695. Quando recuperou o poder em 705, já deixara de ser tão ditatorial em seu tratamento ao papado. Em 711, o Papa Constantino fez uma viagem a Bizâncio, onde se reconciliou com Justiniano.

O Concílio de Trullo não apenas revelou um padrão de confronto e re­conciliação entre Bizâncio e Roma, mas também enfatizou os esforços de Justiniano II, por mais vãos que se revelassem, para restaurar a unidade imperial em torno de Constantinopla. O padrão da história bizantina em todo o século VII foi o de Constantinopla superar uma sucessão de crises e recuperar uma aparência de autoridade sobre as principais províncias do antigo Império Romano. Isso há muito assumira a forma prática de trabalhar dos diferentes patriarcados. Seus representantes reuniam-se no Concílio Geral da Igreja, o que por conseguinte servia para proclamar que, apesar de tudo, a nova ordem romana continuava existindo com sua unidade essencial intacta. Até que ponto isso se distanciava da realidade ficou óbvio com o colapso político do Império Bizantino que se seguiu à deposição de Justinia­no II e seu exílio para a Criméia em 695.

O mais sério revés foi a conquista muçulmana do exarcado de Cartago em 698. Embora Bizâncio resistisse com obstinação na Sicília, a perda de Cartago acabou de fato com o império do Mediterrâneo criado por Justinia­no 1. Contribuiu para a deterioração da situação política em Constantinopla, com um imperador se seguindo a outro em rápida sucessão, entre eles Justi­niano, que conseguiu recuperar o trono em 705. Os outros imperadores foram governadores militares de províncias, convencidos de que apenas o controle da capital garantiria sua posição e os interesses de seus homens.

O tumulto político da época foi uma ramificação do surgimento, desde o reinado de Heráclio, dos chamados exércitos dos themas, divisões administra­tivas do Império Bizantino. Para enfrentar o desafio do Islã, a Anatólia foi divi­dida numa série de comandos militares. O exército do Leste, ou anatólio, aquartelou-se no Sudeste da Anatólia para supervisionar as rotas de invasão pelas Montanhas Taurus; o exército da Armênia, ouarmênio, defendia o No­roeste da Anatólia; enquanto a estratégica reserva, o Obsequium - helenizado para Opsikion -, comandava os acessos a Constantinopla. O governo militar, ou strategos, assumiu o controle de sua área de comando, ao mesmo tempo que ia recrutando cada Vez mais suas tropas localmente. O sistema de themas, como é chamado, sempre foi considerado uma importante força da Bizâncio medieval. Acredita-se haver proporcionado um sistema de defesa local que salvou a Anatólia dos muçulmanos e acabou permitindo a recuperação dos Bálcãs das tribos eslavas que ali se haviam estabelecido. No início do século VIII, porém, era mais que um fardo, pois os diferentes exércitos lutavam para garantir Constantinopla. Contra esse pano de fundo de instabilidade política, os exércitos árabes conseguiram atacar cada vez mais fundo na Anatólia. Era então uma dúbia honra aspirar ao trono imperial. Em 715, os soldados do thema de Opsikion se rebelaram. O homem que escolheram como imperador fugiu para as montanhas mais próximas, em vez de aceitar a proposta deles. Os ára­bes concentravam-se para outro cerco de Constantinopla e pareciam remotas as chances de sobrevivência da cidade.

ANGOLD, M. Bizâncio. São Paulo: Imago, 2002.


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