Fragmentos sobre a queda do império romano e a vinda dos bárbaros

Textos selecionados do livro de Maria Guadalupe Pedrero-Sanchez, 'História da Idade Média: textos e testemunhas'. São Paulo: UNESP, 2004.

 

ÉDITO DE MILÃO (313)

Eu, Constantino Augusto, e eu também, Licíno Augusto, reunidos felizmente em Milão para tratar de todos os problemas que se relacionam com a segurança e o bem público, cremos ser o nosso dever tratar junto com outros assuntos, que merecem a nossa atenção para o bem da maioria, tratar também daqueles assuntos nos quais se funda o respeito à divindade, a fim de conceder tanto aos cristãos quanto a todos os demais a faculdade de seguirem livremente a religião que cada um desejar, de maneira que toda a classe de divindade que habita a morada celeste seja propícia a nós e a todos os que estão sob a nossa autoridade. Assim temos tomado esta saudável e retíssima determinação de que a ninguém seja negada a faculdade de seguir livremente a religião que tenha escolhido para o seu espírito, seja a cristã ou qualquer outra que achar mais conveniente; a fim de que a suprema divindade a cuja religião prestamos esta livre homenagem possa nos conceder o seu favor e benevolência. Por isso é conveniente que vossa excelência saiba que temos resolvido anular completamente as disposições que lhe foram enviadas anteriormente com relação ao nome dos cristãos, por encontrá-las hostis e pouco apropriadas à nossa Clemência, e temos resolvido permitir a todos os que queiram observar a religião cristã, de agora em diante, que o façam livremente sem ter que sofrer nenhuma inquietação ou moléstia. Assim, pois, acreditamos ser o nosso dever dar a conhecer com clareza estas decisões à vossa solicitude, para que saiba que temos concedido aos cristãos a plena e livre facilidade de praticar sua religião ... Levou-nos a agir assim o desejo de não aparecer como responsáveis por diminuir em nada qualquer religião ou culto ... E além disso, no que diz respeito aos cristãos, decidimos que lhes sejam devolvidos os locais onde anteriormente se reuniam, sejam eles propriedade do nosso fisco, ou tenham sido comprados por particulares, e que os cristãos não tenham de pagar por eles nenhuma classe de indenização ... E como consta que os cristãos possuíam não só locais de reunião habitual, mas também outros pertencentes à sua comunidade ... ordenamos que lhes sejam devolvidos sem nenhum tipo de equívoco nem de oposição ... Em todo o dito anteriormente (vossa excelência) deverá prestar o apoio mais eficiente à comunidade dos cristãos, para que as nossas ordens sejam cumpridas o mais depressa possível e para que também neste assunto a nossa Clemência vele pela tranquilidade pública. Desta maneira, como já temos dito anteriormente, o favor divino que em tantas e tão importantes ocasiões nos tem sido propício, continuará ao nosso lado constantemente, para o êxito das nossas empresas e para a prosperidade do bem público ...

Lactancio. (De niortibus persecutorum) Sobre la m verte de los perseguidores. Introd., trad. espanhola e notas de R. Teja. Madrid: Gredos, 1982. XLVIII p.2-3.


ÉDITO DE TESSALÔNICA (380)

Os imperadores Graciano, Valentiniano e Teodósio Augustos: édito ao povo da Cidade de Constantinopla. É a nossa vontade que todos os povos regidos pela administração de nossa Clemência pratiquem a religião que o divino apóstolo Pedro transmitiu aos romanos, na medida em que a religião por ele introduzida tem prosperado até os nossos dias. É evidente que esta é a religião que professam também o pontífice Dâmaso, e Pedro, bispo de Alexandria, homem de apostólica santidade; isto é, que de acordo com a disciplina apostólica e a doutrina evangélica, devemos acreditar na divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo com igualdade de majestade e sob (a noção) da Santa Trindade.

Ordenamos que todas aquelas pessoas que seguem esta norma tomem o nome de cristãos católicos. Porém, o resto, aos quais consideramos dementes e insensatos, assumirão a infâmia dos dogmas heréticos, os lugares de suas reuniões não receberão o nome de igrejas e serão castigados em primeiro lugar pela divina vingança, e, depois, também, (por justo castigo) pela nossa própria iniciativa, que providenciaremos de acordo com o juízo divino.

Dado no terceiro dia das calendas de março, no ano do quinto consulado de Graciano e do primeiro consulado de Teodósio Augusto. (28 de fevereiro de 380).

Código Teodosiano. XVI, 1-2. In Tunón de Lara, M. Textos y documentos de Historia Antigua, M e d i a y Moderna. Barcelona: Labor, 1984. p.127 (Historia de Espana XI)


AS INVASÕES BÁRBARAS: PERFIL DE ÁTILA (406-453)

Homem vindo ao mundo em um entrechoque de raças, terror de todos os países, não sei como ele semeava tanto pavor, a não ser pela ligação que se fazia de sua pessoa com um sentimento de terror. Tinha um porte altivo e um olhar singularmente móvel, se bem que cada um de seus movimentos traduzisse o orgulho de seu poder. Amante da guerra, era senhor de sua força, muito capaz de reflexão, acessível às petições, fiel à palavra dada; sua pequena estatura, seu peito largo, sua cabeça grande, seus olhos minúsculos, sua barba rala, sua cabeleira eriçada, seu nariz muito curto, sua tez escura eram sinais de suas origens. Embora fosse de sua natureza ousar sempre grandes coisas, sua audácia aumentava ainda mais pelo fato de haver ele encontrado o gládio de Marte, sempre tido por sagrado pelos reis Citas, nas circunstâncias que o historiador Priscos relata desta maneira: um pastor, tendo observado que uma novilha de seu rebanho mancava sem que fosse possível encontrar a causa de tal ferimento, guiado pelos vestígios de sangue, pôs-se a segui-los até descobrir a lâmina sobre a qual o animal, passando, havia inadvertidamente posto a pata; e desenterrando-a, ele a entregou imediatamente a Átila, que se felicitou por ser instituído de alguma maneira, por esse dom, príncipe do mundo inteiro; pois que, possuindo o gládio de Marte, havia obtido o poder militar.

Jordanes. Romana et Getica. In M. G. H. Auctores Antiquissimi t.V, 1. Berlim, 1877. p.105-6.


O ASPECTO E OS COSTUMES DOS HUNOS (330-391)

O povo dos Hunos, pouco conhecido pelos antigos monumentos, vivendo por trás da lagoa Meótis, perto do oceano Glacial, excede todos os modos de ferocidade ... Todos eles têm membros compactos e firmes, pescoços grossos, e são tão prodigiosamente disformes e feios que os poderíamos tomar por animais bípedes ou pelos toros desbastados em figuras que se usam nos lados das pontes.

Tendo porém o aspecto de homens, embora desagradáveis, são rudes no seu modo de vida, de tal maneira que não têm necessidade nem de fogo nem de comida saborosa; comem as raízes das plantas selvagens e a carne semicrua de qualquer espécie de animal que colocam entre as suas coxas e os dorsos dos cavalos para aquecer um pouco.

Vestem-se com tecidos de linho ou com as peles de ratos-silvestres cosidas umas às outras, e estas servem tanto para uso doméstico como de fora. Mas uma vez que meteram o pescoço numa túnica desbotada, não a tiram ou mudam até que pelo uso cotidiano se faça em tiras e caia aos pedaços.

Cobrem as cabeças com barretes redondos e protegem as pernas hirsutas com peles de cabra; os seus sapatos não têm forma nenhuma e por isso impedem-nos de caminhar livremente. Por esta razão não estão nada adaptados a lutas pedestres, vivendo quase fixados aos cavalos, que são fortes, mas disformes e por vezes sentam-se à amazona e assim executam as suas tarefas habituais. É nos seus cavalos que de dia e de noite aqueles que vivem nesta nação compram e vendem, comem e bebem e, inclinados sobre o estreito pescoço do animal, descansam num sono tão profundo que pode ser acompanhado de sonhos variados.

Ninguém entre  eles  lavra  a  terra  ou toca um arado. Todos vivem sem um lugar fixo, sem lar nem lei ou uma forma de vida estabilizada, parecendo sempre fugitivos nos carros onde habitam; aí as mulheres lhes tecem as horríveis vestimentas, aí elas coabitam com os seus maridos, dão à luz os filhos e criam as crianças até à puberdade. Nenhum deles se for interrogado poderá dizer donde é natural, porque, concebido num lugar, nasceu já noutro ponto e foi educado ainda mais longe.

Amiano Marcelino. Trad. inglesa de John C. Rolfe, liv.XXXI, 2, 111. Harvard   University Press, 1939. Apud Espinosa, F. Antologia de textos medievais. 3.ed. Lisboa: Sá da Costa, 1981 p.4-5.


AS CARACTERÍSTICAS DO ALANOS (330-391)

Quase todos os Alanos são altos e formosos, com os cabelos quase louros, um olhar terrível e perturbador, ligeiros e velozes no uso das armas. Em tudo são semelhantes aos Hunos, mas na maneira de viver e nos costumes, menos selvagens. Roubando e caçando, andam de um lado para o outro, até lugares tão distantes como a lagoa Meótis e o Bósforo    Cimério2 e também até à Armênia e à Média.

Assim como para os homens sossegados e plácidos o repouso é agradável, assim eles encontram prazer no perigo e na guerra. É considerado feliz aquele que sacrificou a sua vida na batalha, enquanto que àqueles que envelheceram e deixaram o mundo por uma morte fortuita atacam com terríveis censuras de degenerados e cobardes; e não existe nada de que mais se orgulhem de que matar um homem, qualquer que ele seja: como glorioso despojo do assassinato, cortam-lhe a cabeça, arrancam-lhe a pele e colocam-na sobre seus cavalos de guerra como jaez.

Não se vê entre eles nem um templo, nem um lugar sagrado, nem mesmo se pode discernir um tugúrio com teto de colmo, mas com um ritual bárbaro enterram no chão uma espada desembainhada e adoram-na reverentemente, como ao seu Marte, a divindade principal destas terras por onde vagueiam. Ignoram o que seja a servidão, tendo nascido todos de sangue nobre, e mesmo agora escolhem como chefes aqueles que se distinguem na experiência cotidiana da guerra.

Amiano Marcelino. Apud Espinosa, op. cit., p.6.


REIS E CHEFES SAXÕES (S. VII)

Os chamados Velhos Saxões não têm rei, mas um grande número de chefes colocados à cabeça de sua nação. Em caso de guerra iminente, havia um sorteio com critérios iguais para todos; e aquele que a sorte favorecesse, era seguido como general todo o tempo de guerra; obedeciam-no, mas, finda a guerra, todos os chefes tornavam a ser iguais em poder.

Beda, o Venerável. Historia Ecclesiastica Gentis Anglorimi v.10. Plummer (Ed.). Oxford, 1896. Apud Calmette, J. Textes etDocunaents d'Histoire: Moyen Âge . Paris: Presses Universitaires de France, 1953. p.15.


SOBRE A ORIGEM DOS FRANCOS (S. VI)

Sobre os reis dos Francos, ignora-se qual tenha sido o primeiro dentre eles: com efeito, se bem que na sua História Sulpício Alexandre3 fale muito destes povos, todavia não nomeia de maneira alguma seu primeiro rei: diz apenas que eles tinham duques [...] Muitos autores contam que estes povos saíram da Panônia e que se estabeleceram primeiro na margem do Reno; tendo em seguida atravessado este rio, passaram à Turíngia e aí nas aldeias ou nas cidades escolheram reis cabeludos, que foram buscar na primeira, e, se assim posso dizer, à mais nobre das suas famílias. Isto foi provado mais tarde pelas vitórias de Clóvis, que contaremos em seguida. Lemos nos Fastos consulares que o rei dos Francos, Teodomiro, filho de Ricimer e de Áscila, e sua mãe, morreram pela espada. Diz-se também que então Clódio, notável entre o seu povo, tanto por méritos próprios como por nobreza, foi feito rei dos Francos.

Ocupava no termo dos Turíngios a fortaleza de Dispargum (Diest, no Brabante). Nessas mesmas partes, ou seja em direção ao sul e até ao rio Loire, habitavam os Romanos. Para lá do Loire dominavam os Godos; os Burgúndios, seguidores da seita dos Arianos, habitavam do outro lado do Ródano que banha a cidade de Lyon. Clódio, tendo enviado batedores para a cidade de Cambrai e mandado explorar toda a região, pôs-se ele próprio em seguida a caminho, esmagou os Romanos e apoderou-se da cidade, residindo aí por pouco tempo, ocupou tudo até o rio Saône. Há quem pretenda que o rei Meroveu, de quem Childerico foi filho, era da sua estirpe.

Mas este povo mostrou-se sempre entregue a cultos fanáticos sem ter qualquer conhecimento do verdadeiro Deus. Fez imagens das florestas e das águas, dos pássaros, dos animais selvagens e dos outros elementos aos quais tinha por hábito prestar um culto divino e oferecer sacrifícios [...]

São Gregório de Tours. Historiae Ecclesiasticae Francornni. lib.Il IX-X. Trad. de Guadet e Taranne Paris, 1836. Apud Espinosa, op. cit., p.13.


A INSTALAÇÃO DOS VISIGODO NO IMPÉRIO (S. IV)

Os visigodos, ou seja, aqueles outros aliados e cultivadores do solo ocupado, estavam aterrados como o haviam estado seus parentes e não sabiam que fazer, por causa do povo dos Hunos. Porém, depois de longas deliberações, de comum acordo, enviaram embaixadores à România, ao imperador Vilente,4 irmão de Valentiniano I,5 o imperador mais velho, para dizer que se lhes desse uma parte da Trácia ou da Mésia a fim de a cultivarem, eles se submeteriam às suas leis e decisões. E para que pudesse ter maior confiança neles, prometeram tornar-se cristãos, se lhes dessem professores que falassem a sua língua.

Quando Valente ouviu isto, concedeu alegre e prontamente o que ele próprio havia tencionado pedir. Recebeu os Getas6 na região da Mésia e colocou-os aí como uma muralha de defesa para seu reino contra outras tribos. E como naquele tempo o imperador Valente, contaminado pela perfídia ariana, tivesse fechado todas as igrejas da nossa fé, enviou-lhes como pregadores os que favoreciam a sua seita.7 Eles foram e imediatamente infundiram nesse povo rude e ignorante o veneno da sua perfídia. Assim os Visigodos foram feitos, por meio do imperador Valente, arianos em vez de cristãos. Além disso, pregaram o Evangelho tanto aos Ostrogodos como aos seus parentes Gépidas, ensinando-os a reverenciar esta perfídia, e convidaram todos os povos da sua língua, de onde quer que fossem, a ligarem-se à mesma seita. Eles próprios, como dissemos, atravessaram o Danúbio e estabeleceram-se na Dácia Ripense,8 na Mésia e na Trácia, com autorização do príncipe.

Em breve a fome e a indigência caíram sobre eles, como muitas vezes acontece a um povo que ainda não está bem estabelecido numa região [...] Assim este dia pôs fim à fome dos Godos e à segurança dos Romanos, porque os Godos, não mais como estrangeiros e peregrinos, mas sim como cidadãos e senhores, começaram a governar os habitantes e a dominar, sob o seu próprio senhorio, todas as regiões do Norte até o Danúbio.

Quando o imperador Valente soube disto em Antioquia, aprestou imediatamente um exército e partiu para a região da Trácia. Aí deu-se uma terrível batalha9 e os Godos venceram [...] O próprio imperador ficou ferido e fugiu para uma herdade perto de Hadrianópolis.10 Os Godos, não sabendo que um imperador estava escondido numa cabana tão pobre, lançaram-lhe fogo como é habitual proceder com um inimigo cruel, e assim ele foi cremado em esplendor real [...]

Jordanes. Romana et Getica. In M. G. H. Auctores Antiquissinai t.V, 1. Berlim, 1877. p.92-4.


O SAQUE DE ROMA POR ALARICO (410) E AS INCURSÕES BÁRBARAS NA GÁLIA E NA ESPANHA

No ano 1164 depois da fundação da cidade, foi realizado (contra Roma) um ataque por Alarico: embora a memória deste fato ainda seja recente, nenhuma pessoa que veja a multidão dos romanos e que os ouça falar admitirá, como eles próprios dizem, que alguma coisa tenha acontecido, salvo se, por acaso, tomar conhecimento do fogo pelas ruínas que ainda existem. Nesta invasão, Placídia, filha do príncipe Teodósio e irmã dos imperadores Arcádio e Honório, foi capturada e tomada como mulher por Ataúlfo, parente de Alarico, como se, devido a um juízo divino, Roma a tivesse entregue à maneira de refém e penhor especial. Com efeito, unida pelo casamento ao mais poderoso rei bárbaro, ela foi de grande utilidade para a república. Entretanto, dois anos antes do ataque a Roma, excitados por Estilicão, como já disse, os povos dos Alanos, dos Suevos, dos Vândalos, e muitos outros com eles, esmagaram os

Francos, atravessaram o Reno, invadiram as Gálias e com um rápido ímpeto chegaram até aos Pirinéus: retidos durante um tempo por esta barreira, disseminaram-se pelas províncias vizinhas.

Paulo Orósio. Historiaruni adversos Paganos. In: J. P. Migne Patrologiae Cursus Conapletus Series Prima, t.XXXI, Paris, 1846 cols. 1166-1167. Apud Espinosa, op. cit., p.8.


A INVASÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA PELOS VÂNDALOS, SUEVOS E ALANOS (409-411)

Os Alanos, os Vândalos e os Suevos entraram nas Espanhas no ano 447 da era:" uns, o quarto dia das Calendas de Outubro, outros, o dia três dos Idos de Outubro, na terça feira, no oitavo consulado de Honório e o terceiro de Teodósio, filho de Arcádio.

Os bárbaros que tinham entrado nas Espanhas depredaram-nas com matança hostil. E a peste, por sua parte, não fez menos estragos.

Enquanto os bárbaros cometiam atrocidades na Espanha e o flagelo da peste atacava com não menos intensidade, o tirânico arrecadador de impostos espoliava as riquezas e as provisões armazenadas nas cidades e os soldados as consumiam. Uma fome cruel prolongou-se até o ponto de que a carne humana chegou a ser devorada pelo gênero humano pela necessidade da fome; inclusive as mães alimentaram-se com os corpos de seus filhos mortos ou cozinhados pelas suas próprias mãos. Os animais selvagens, acostumados aos cadáveres dos que morriam pela espada, a fome ou a peste, matavam os homens mais fortes e, alimentados com a sua carne, lançavam-se por toda parte para perdição do gênero humano. E assim, fazendo estragos por todo o orbe as quatro pragas, a do ferro, da fome, da peste e dos animais selvagens, alcançaram o seu cumprimento as profecias anunciadas pelo Senhor por meio dos seus profetas.

O ano de 457 da era, abatidas as províncias da Espanha pelo ataque memorável das pragas, os bárbaros, convertidos à ideia do estabelecimento da paz pela misericórdia do Senhor, dividiram entre eles, por sorteio, as regiões das províncias para habitá-las. Os Vândalos ocuparam a Galiza e os Suevos o território situado no extremo que dá ao mar Oceano; os Alanos sortearam as províncias Lusitana e Cartaginense e os Vândalos chamados Silingos repartiram-se a Bética. Os hispanos das cidades e dos casteli que tinham conseguido escapar à praga dos bárbaros apoderados das províncias, submeteram-se à servidão.

Hidácio. Crônica, 42,46-49. In: Tunón de Lara, op. cit., p.150.


OS VÂNDALOS NA ÁFRICA 

Na era de 467 (429 d. C.) Genserico irmão de Gunderico, sucedeu-lhe no reino por quarenta anos. Este, que de católico se havia tornado apóstata, foi o primeiro levado a transitar para a perfídia ariana. Tendo abandonado a Espanha, atravessou com todos os vândalos e as suas famílias, desde o litoral da província da Bética até à Mauritânia e África. Valentiniano Júnior,12 imperador do Ocidente, não se lhe podendo opor, fez a paz e concedeu pacificamente a parte da África que os Vândalos possuíam, aceites por um juramento as condições de que nada mais invadiriam. [Genserico] porém, sobre cuja amizade ninguém duvidava, profanada a inviolabilidade do juramento, invadiu Cartago com o engano da paz e transferiu em seu próprio proveito todos os poderes depois de ter afligido os cidadãos com diversos gêneros de tormentos. Em seguida devastou a Sicília, cercou Panormo, introduziu a pestilença ariana por toda África, afastou os sacerdotes das igrejas, fez muitos mártires e, de acordo com a profecia de Daniel, transmutados os mistérios, entregou as igrejas dos santos aos inimigos de Cristo [...]

[...] Genserico, não contente com as devastações da terra de África, passou a Roma, transportado por navios, destruiu os bens dos romanos durante catorze dias e trouxe consigo a viúva de Valentiniano, as suas filhas e muitas mulheres de cativos; e pedida a paz, por meio de enviados, ao imperador, remeteu a viúva de Valentiniano para Constantinopla e uniu pelo matrimônio uma das filhas (de Valentiniano) com seu filho Huguerico.

Isidoro de Sevilha. In: Migne, Patrologiae Cursus Conipletus, Series Latina, t.LXXXIII. Paris, 1862, cols. 1077 e 1078. Apud Espinosa, op. cit., p.10-1.


A FIXAÇÃO DOS ANGLOS E DOS SAXÕES NA BRETANHA (S. V)

No 450 ano da Encarnação do Senhor, tendo Marciano13 com Valentiniano14 obtido o reino, o 462 ano a partir de Augusto, deteve-se por sete anos. Então o povo dos Anglos ou Saxões, convidado pelo rei citado, arribou à Bretanha em três longos navios e por ordem do mesmo rei recebeu como local de permanência a parte oriental da ilha, como para combater a favor da pátria, mas na realidade a fim de a conquistar. Iniciada a batalha com os inimigos que do norte tinham vindo para a luta, os Saxões obtiveram a vitória. Por isso mandaram para casa a notícia tanto da fertilidade da ilha como da inércia dos Bretões e imediatamente lhes foi enviada uma frota maior, transportando um grupo mais forte de homens de armas, os quais juntos à coorte anterior constituíram um exército invencível. Os que chegaram, obtiveram, por doação dos Bretões, um lugar para habitarem entre eles, com a condição de que uns lutariam contra os adversários pela paz e salvação da pátria e outros contribuiriam com o estipêndio devido para os que combatiam. Vieram porém os povos mais fortes das tribos da Germânia, ou seja Saxões, Anglos e Jutos. Dos Jutos são originários os [habitantes] de Cantuária e de Victuária, ou seja aquele povo que detém a ilha Vecta e aqueles que até hoje são chamados a nação dos Jutos na província dos Saxões Ocidentais, junto da própria ilha Vecta. Dos Saxões, ou seja daquela região que agora é chamada dos Antigos Saxões (Holstein), vieram os Saxões Orientais, os Saxões Meridionais e os Saxões Ocidentais Mais adiante, dos Anglos, isto é, daquela terra que se chama Angulus (Schleswig) e desde aquele tempo até hoje se diz permanecer deserta, entre as províncias dos Jutos e dos Saxões, descendem os Anglos Orientais, os Anglos Mediterrâneos, os Mércios e toda a geração dos Northumbrianos, ou seja daqueles povos que habitam para norte do rio Humber e dos restantes Anglos.

Beda, o Venerável. Historia Ecclesiastica Gentis Anglorruni. lib.I, cap.XV Apud Espinosa, op. cit., p.14-5.


A INVASÃO DA ITÁLIA PELOS LOMBARDOS (568)

Na verdade, Alboíno, antes de partir para a Itália com os Lombardos, pediu auxílio aos seus velhos amigos Saxões a fim de entrar naquela espaçosa terra e ocupá-la com maiores efetivos.

Acudiram ao apelo mais de vinte mil saxões, acompanhados pelas mulheres e os filhos, para com ele penetrarem na Itália. Tendo conhecimento disto, Clotário e Sigeberto, reis dos Francos colocaram os Suevos e outros povos nos locais de onde tinham saído os Saxões. Então Alboíno entregou a seus amigos, os Hunos, os próprios territórios, ou seja a Panônia, sob a condição de que, se em qualquer altura fosse necessário aos Lombardos voltar para trás, tornariam a pedir aquelas terras.16

Portanto os Lombardos, abandonada a Panônia, com as mulheres, os filhos e todas as alfaias, precipitaram-se na Itália para a ocupar. Tinham habitado a Panônia durante quarenta e dois anos. Dela saíram no mês de Abril, pela primeira indicção,'7 no dia seguinte à santa Páscoa, cuja festividade se deu naquele ano de acordo com os cálculos da razão no próprio dia das Calendas de Abril, quinhentos e sessenta e oito anos depois da encarnação do Senhor.

Paulo Diácono, Historia Langobardorum. In: M. G. H Scriptores Reruni Layigobardicanuni etItalicaruni. Saec. VI - IX. Hannover,1878 Apud Espinosa, op. cit., p. 17.


A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE (476)

Orestes,18 tendo tomado o comando do exército, partiu de Roma ao encontro dos inimigos e chegou a Ravena, onde parou para fazer imperador seu filho Augústulo. [...]19

Porém, pouco depois de Augústulo ter sido estabelecido imperador em Ravena, por seu pai Orestes, Odoacro, rei dos Turcilingos,20 tendo consigo ciros, hérulos e auxiliares de diversas tribos, ocupou a Itália. Orestes foi morto e o seu filho Augústulo, expulso do reino e condenado à pena de exílio no Castelo Luculano, na Campânia.

Assim, o Império do Ocidente do povo romano, que o primeiro dos augustos, Otaviano Augusto, tinha começado a dirigir no ano 709 da fundação da cidade de Roma, pereceu com este Augústulo no ano quinhentos e vinte e dois (476 d. C.) do reinado dos seus antecessores imperadores. Desde aí Roma e a Itália são governadas pelos reis dos Godos [...]

Jordanes.  Romana  et  Getica.  In M. G. H. Auctores Antiquissinzi t.V, 1. Berlim, 1877. p.44.


A POLÍTICA DE ATAÚLFO EM RELAÇÃO A ROMA (S. V)

O rei Ataúlfo era então o rei do povo godo. Depois da invasão da Cidade (410 d. C.) e da morte de Alarico tomou por esposa, como já disse, a irmã do imperador, Placídia, que estava prisioneira, e sucedeu a Alarico na direção do reino. O rei, como muitas vezes ficou dito e como o provou o seu fim,21 era um zeloso partidário da paz; desejava servir fielmente o imperador Honório e consagrar as forças dos  Godos à defesa da República romana [...]

Tinha principalmente desejado com ardor apagar o nome romano e fazer de todo o território um império dos Godos, que deles usasse o nome, para que, falando claramente, a Gótica fosse o que tinha sido a România e Ataúlfo se tornasse agora o que outrora havia sido César Augusto. Mas a sua muita experiência provara-lhe que os Godos eram absolutamente incapazes de obedecer às leis por causa da sua barbárie desenfreada. Ora, como não se podem suprimir, numa república, as leis sem as quais uma república não é república, preferiu glorificar-se restaurando na sua integridade [a România] e erguendo o nome romano com as forças dos Godos, para aparecer à posteridade como o restaurador do Império Romano, visto que o não tinha podido transformar.

Paulo Orósio, Historiarum adverses Paganos. In: Migne Patrologiae Cursus Completus Series Prima, t.XXXI. Paris, 1846 Apud Espinosa, op. cit., p.34.


TEODORICO, REI DOS OSTROGODOS, VENCE ODOACRO E SE ESTABELECE NA ITÁLIA (493)

Quando o imperador Zenão22 ouviu que Teodorico tinha sido nomeado rei do seu povo (473 d. C.), recebeu com prazer a notícia da nomeação e convidou-o a vir ao seu encontro na cidade. Recebendo-o com todas as honras, colocou-o entre os grandes do seu palácio. Algum tempo depois [Zenão], para lhe aumentar as honrarias, adotou-o como filho e concedeu-lhe, à sua custa, uma homenagem na cidade.

[Teodorico] foi também feito cônsul ordinário, o que se considera como a benesse suprema e a mais alta honra no mundo. Mas isto não foi tudo, pois [Zenno] ergueu diante do palácio real uma estátua equestre daquele como glória de tão grande homem.

[Entretanto Teodorico, sabendo que a sua tribo, estabelecida na Ilíria, estava passando por dificuldades, pediu licença ao imperador para abandonar Constantinopla e dirigir-se ao Ocidente para liberá-lo do rei dos Turcilingos e dos Rúgios. O imperador achou a oportunidade excelente para desembaraçar-se dos Ostrogodos e simultaneamente liquidar Odoacro]

Teodorico deixou, pois, a cidade real e voltou para junto dos seus. Em companhia de toda a tribo dos Godos, que lhe deu o seu consentimento unânime, partiu para o Ocidente. Caminhou em direção a Sirmium (Mitronica: Iugoslávia) até à vizinhança da Panônia e, avançando no território da Venécia até junto da Ponte de Sontius (Izonzo), acampou aí. Tendo feito alto por algum tempo, a fim de dar descanso aos corpos dos homens e aos animais de carga, Odoacro enviou contra ele uma força armada, com a qual se encontrou nos campos de Verona, destruindo-a e fazendo nela grande mortandade. Então desfez o acampamento e avançou pela Itália com a maior ousadia.

Atravessando o rio Pó, assentou campo perto da cidade real de Ravena, cerca do terceiro marco miliário a partir da cidade, no lugar chamado Pineta. Quando Odoacro viu isto, fortificou-se dentro da cidade. Frequentes vezes atacou o exército dos Godos durante a noite fazendo saídas furtivamente com os seus homens, e não uma ou duas vezes, mas muitas; e assim combateu durante quase três anos completos. Mas trabalhou em vão, porque toda a Itália por fim chamou a Teodorico o seu senhor e a República obedeceu aos seus desejos. Mas (Odoacro), com os seus poucos partidários e os romanos que estavam presentes sofria cotidianamente com a guerra e a fome em Ravena. Visto que nada conseguia, enviou uma embaixada e pediu clemência. Teodorico primeiro concedeu-lha, mas depois tirou-lhe a vida.

Foi o terceiro ano depois da sua entrada na Itália, como dissemos, que Teodorico, por conselho do imperador Zenão, pôs de lado o traje de cidadão privado e o vestuário da sua raça e adoptou uma veste com um manto real, visto ter-se transformado, agora, no dirigente tanto dos Godos como dos Romanos.

Jordanes.  Romana  et  Getica.  In M. G. H. Auctores Antiquissinzi, t.V, 1 Berlim, 1877. p.132-34.


SOBRE A DECADÊNCIA D CULTURA ROMANA (S. V)

O vosso amigo Eminêncio, honrado senhor, entregou uma carta por vós ditada, admirável no estilo [...] Tivestes contactos com os bárbaros e no entanto não permitis que nenhum barbarismo atravesse os vossos lábios; em eloquência e valor igualais aqueles antigos generais cujas mãos podiam manejar o estilo com não menos habilidade do que a espada. A língua romana foi há muito tempo banida da

 Bélgica e do Reno; mas se o seu esplendor sobreviveu de qualquer maneira, foi certamente convosco; a nossa jurisdição entrou em decadência ao longo da fronteira, mas enquanto v i v e r d e s e preservardes a vossa eloquência, a língua latina permanecerá inabalável. Ao retribuir as vossas saudações o meu coração alegra-se dentro de mim por a nossa cultura em desaparição ter deixado tais traços em vós [...]

Sidônio Apolinário. Epistolas: XVII. In: M. G. H.Auctores Antiquissinii. t.VIII, 1. Berlim 1877. p.68.


O DESCALABRO DA CIVILIZAÇÃO ROMANA NA GÁLIA (S. VI)

Extinguia-se a cultura das letras, ou melhor, definhava nas cidades das Gálias, enquanto o bem e o mal igualmente se acometiam. Aí se desencadeava a ferocidade dos povos ou o furor dos reis, as igrejas eram atacadas pelos heréticos e defendidas pelos católicos, a fé cristã, fervorosa ainda no maior número, definhava em alguns, as igrejas eram enriquecidas por homens piedosos e despojadas por ímpios, e não se podia encontrar um único gramático conhecedor da dialética para descrever todas estas coisas, quer em prosa, quer em verso. A multidão lamentava-se disto dizendo: "Desgraçado seja o nosso tempo, pois o estudo das letras pereceu entre nós e já não se encontra ninguém que possa traduzir por escrito os acontecimentos presentes". Decidi-me, movido por estas queixas e outras semelhantes, repetidas todos os dias, a transmitir aos tempos vindouros a memória do passado; e, se bem que falando uma linguagem inculta, não pude no entanto calar nem os empreendimentos dos maus, nem a vida dos homens de bem. O que sobretudo me excitou foi ter muitas vezes ouvido dizer, entre nós, que poucos homens compreendem um reitor que fale como filósofo; quase todos, pelo contrário, compreendem um narrador falando como vulgar [...]

São Gregório de Tours. Historiae Ecclesiasticae Francoruni. lib.I, tI p.3-5. Apud Espinosa, op. cit., p.35-6.


INSTABILIDADE DO IMPÉRIO ROMANO (440)

Os pobres são despojados, as viúvas gemem, os órfãos são esmagados, a tal ponto que muitos dentre eles, incluídas gentes de bom nascimento que tinham recebido uma educação superior, refugiam-se entre inimigos. Para não perecer sob a perseguição injusta, vão buscar entre os bárbaros a humanidade dos romanos, porque não podem suportar mais, entre os romanos, a inumanidade dos bárbaros. Não se parecem em nada aos povos entre os quais buscam refúgio. As suas maneiras são diferentes, não conhecem a sua linguagem, e, atrevo-me a dizê-lo, carecem assim mesmo do cheiro fétido que impregna os corpos e as vestes dos bárbaros. Preferem, porém, submeter-se a essas diferenças de costumes a sofrer entre os romanos a injustiça e a crueldade. Emigram, pois, até os Godos ou até os Burgúndios ou até outros bárbaros que dominam por toda parte. E não têm motivo algum para se arrepender deste desterro. Porque preferem viver livres sob a aparência de escravidão a serem escravos sob a aparência de liberdade.

Salviano. De Gubernatione Dei. V, 5. Apud Falcon, M. I. et al Antología de textos y documentos de Edad Media. Ed. bilíngue: latim-espanhol. Valencia: Anubar, 1976. p.19.


A CONVERSÃO DE CLÓVIS (498 OU 506)

Todavia a rainha23 não deixava  de pedir ao rei que reconheces- se o verdadeiro Deus e abandonasse os ídolos; mas nada o podia levar a essa crença, até que, tendo surgido uma guerra contra os Alamanos, ele foi forçado pela necessidade a confessar o que sempre tinha negado obstinadamente [...]

Então a rainha chamou em segredo São Remígio, bispo de Reims, suplicando-lhe que fizesse penetrar no coração do rei a palavra da salvação. 0 sacerdote, tendo-se posto em contato com Clóvis, levou-o pouco a pouco e secretamente a acreditar no verdadeiro Deus, criador do céu e da terra, e a renunciar aos ídolos, que não lhe podiam ser de qualquer ajuda, nem a ele nem a ninguém [...]

O rei, tendo pois confessado um Deus todo-poderoso na Trindade, foi batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ungido do santo Crisma com o sinal da cruz. Mais de três mil homens do seu exército foram igualmente batizados [...]

São Gregório de Tours. Historiae Ecclesiasticae Francorunz. lib.Il Trad. Gaudet, J. Paris: Société de Histoire de France. 1836. Apud Espinosa, op. cit., p.27.


A LEI DOS VISIGODOS E A APROXIMAÇÃO DAS RAÇAS (649-672)

Liv. III, Tit. I-Sobre as disposições do casamento: Código de Recesvinto

A solícita preocupação de um príncipe está cumprida quando foram providenciados os benefícios para futura utilidade dos povos. Nem a ingênita liberdade [do príncipe] deve deixar de exultar quando, quebradas as forças da antiga lei, tiver sido abolida a sentença que pretende impedir sem razão o casamento de pessoas que são iguais por dignidade e linhagem. E por isto, removida a sentença da antiga lei [...] sancionamos esta lei que há de valer para sempre: que o godo possa, se quiser, ter uma mulher romana e que a goda possa casar com um romano [...] e que o homem livre possa casar com qualquer mulher livre [...] obtido o solene consenso dos parentes e a licença do conde.

Corpus Iuris Gernianici  Antiqui. Wilter, F. (Ed.). Berlim, 1824. Apud Espinosa, op. cit., p.23-4.


A CONVERSÃO DOS VISIGODOS (580-587)

O Santo Sínodo dos bispos de toda a Espanha, Gália e Galiza, por ordem do príncipe Recaredo, reuniu-se na cidade de Toledo em número de setenta e dois bispos, no qual sínodo esteve presente o cristianíssimo rei Recaredo, mostrando aos bispos, escrita num livro da sua própria mão, a declaração da sua conversão e a profissão de fé de todos os bispos e do povo godo e tudo o que corresponde à fé ortodoxa; o santo sínodo dos bispos, tendo tomado consciência da declaração do tal livro, decidiu apoiá-lo canonicamente. Por outro lado, o desenvolvimento sinodal foi obra de São Leandro, bispo da Igreja Hispalense [...] O referido Recaredo como já dissemos, assistiu ao santo

concílio, repetindo em nossos tempos o que o antigo príncipe Constantino, o Grande, tinha feito no santo sínodo de Niceia [...] No presente sínodo toledano, a perfídia de Ario foi cortada de raiz, após prolongadas matanças de católicos e sofrimento de inocentes, a instâncias do príncipe Recaredo, de tal maneira que já não pululará mais por nenhum lugar onde se tenha dado às igrejas a paz católica.

João de Biclara. Chronicon a.a.590.1. In: Tunón de Lara, op. cit., p.178.


APÓS O BATISMO DE CLÓVIS (V)

[...] A Providência Divina descobriu o árbitro de nosso tempo. A escolha que haveis feito por vós mesmo é válida para todos. Vossa fé é nossa vitória. Muitos outros, quando os pontífices ou seus sacerdotes lhes solicitam aderir à verdadeira doutrina, ousam objetar com as tradições de sua raça e o respeito pelo culto de seus ancestrais [...] De toda vossa antiga genealogia, vós não quisestes reter outra coisa que vossa nobreza, vós quisestes que vossa descendência fizesse começar em vós todas as glórias que ornam uma alta origem. Vós marchais sobre a trilha de vossos ancestrais governando aqui, vós abris a estrada a vossos descendentes querendo reinar no céu. A Grécia pode se alegrar em haver eleito imperador um dos nossos: não será mais só ela, a partir de agora, a gozar de tal graça. Vossa parte, graças a vós, brilha com esplendor próprio, e o Ocidente vê um de seus soberanos resplandecer com uma luz renovada [...]

Que dizer da gloriosa solenidade de vossa regeneração? Eu não a pude assistir pessoalmente, mas participei de coração de vossa alegria [...] vossa cabeça temida pelos povos, curvando-se à voz dos padres de Deus; vossa cabeleira real habituada ao corte do guerreiro cobrindo-se do elmo salutar da unção santa; vosso peito sem mácula desembaraçado da couraça e brilhando com a mesma brancura de vossa túnica de catecúmeno...

Lettre de Saint Avir à Clovis. In: M. G. H. Auctores Antiquissimi, VI, 2, p.75. Apud Calmette, op cit., p.4-5.


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